D.
Orani João Tempesta
Cardeal
Arcebispo do Rio de Janeiro
No mês de julho, que nos faz viver o clima da
Jornada Mundial da Juventude, escolhemos um tema contemplativo para as obras de
misericórdia. Acredito que a contemplação do Senhor Misericordioso nos faz ter
um coração renovado, que deve se traduzir em atitudes misericordiosas.
A importância da vida de oração nos une cada
vez mais ao Senhor das misericórdias para que, acolhendo o dom da graça de Deus
em nossas vidas, experimentemos, pela ação do Espírito Santo, a Sua presença.
Existem muitos enfoques que podemos trilhar
para essa contemplação. Procuremos alguns textos bíblicos que nos falam dessa
direção.
A Palavra de Jesus (Mt 5, 38-48) nos convida
a amar a todos, sem nenhuma discriminação, pois assim seremos perfeitos como o
Pai Celeste é perfeito. O Senhor nos convida a ser santos como Ele é santo! A
santidade a que somos chamados consiste em fazer a vontade de Deus nosso Pai,
que ama a todos, sem distinção. Diz-nos São Paulo: “Esta é a vontade de Deus: a
vossa santificação” (1Ts 4, 3). Jesus nos convida a viver a caridade para além
dos critérios humanos. Neste sentido, em nossa Carta Pastoral “Com Misericórdia
Olhou para Ele e o Escolheu” fixamos como obra de Misericórdia para o mês de
julho de 2016 “Contemplar o Deus misericordioso”. (Cf. Carta Pastoral “Com
Misericórdia Olhou para Ele e o Escolheu”, n. 23.3). Como Moisés, que ao
encontrar com o Senhor voltou com o rosto luminoso, assim somos chamados a ter
o mesmo “contagio” que nos transfigura ao encontrarmo-nos com o Senhor.
“Aquele que te fere na face direita,
oferece-lhe também a esquerda” (Mt 5, 39). Jesus Cristo estabelece novas bases
– o amor, o perdão das ofensas, a superação do orgulho – sobre os quais os
homens hão de atender a uma defesa razoável dos seus direitos. Ainda: “Amai os
vossos inimigos, rezai por aqueles que vos perseguem e caluniam” (Mt 5, 44).
Devemos também viver a caridade com aqueles que nos tratam mal, que nos difamam
e roubam a honra, que procuram positivamente prejudicar-nos. O Senhor deu-nos
exemplo disso na Cruz, e os discípulos seguiram o mesmo caminho do Mestre. Ele
nos ensinou a não ter inimigos pessoais – como o testemunharam heroicamente os
santos de todas as épocas – e a considerar o pecado como o único mal
verdadeiro.
Somos chamados a contemplar essa
misericórdia! Cristo não pregou essa doutrina somente com a palavra, mas também
com o exemplo. Do alto da cruz, depois de crucificado por todos os pecadores,
pronuncia aquelas palavras que continuam nos comovendo profundamente: “Pai,
perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Faz dois mil anos que
essas palavras ressoam aos “ouvidos” do Pai que, em atenção a essa súplica do
seu Filho, ao qual não fizeram justiça, continua perdoando e nos levando ao
Paraíso.
As consequências dessa contemplação é também
aos que nos odeiam e aos que nos maltratam, aos que nos perseguem e aos que
falam mal de nós, pois nem excluímos os que difamam a Igreja e os que injuriam
os ministros de Deus. Também os insensatos que afirmam disparates contra a fé e
os bons costumes, tentando corromper a família, a juventude e as crianças,
devem ser objetos do nosso amor que perdoa (mesmo denunciando profeticamente as
maldades que fazem). Enfim, todos os que nos consideram inimigos – nós, ao
contrário, não somos inimigos de ninguém – se sintam amados e perdoados por
nós. O amor de Cristo não conhece fronteiras e nós, seus discípulos, também
devemos desconhecê-las.
Jesus chama atenção para o espírito, a
intenção, a motivação com a qual se realiza o preceito: “Ouvistes o que foi
dito: olho por olho, dente por dente” – é justo, era a medida da justiça da Lei
de Moisés e ainda hoje é a medida de todos os tribunais do mundo. Este preceito
não é de vingança, é de justiça: um olho por um olho, um dente por um dente!
“Eu, porém, vos digo: não só justiça, mas misericórdia, generosidade, porque
vosso Deus é assim”! “Ouvistes o que foi dito: amarás a quem te ama, não tens
obrigação para com teus inimigos. Eu, porém, vos digo: amai a todos, amai sem
esperar recompensa, porque o coração do vosso Pai no céu é assim”! Abri-vos,
pois, irmãos meus, abri-vos para Deus, aquele Deus que vos deu tudo quando vos
deu o Filho Único, o Amado, até a morte e morte de cruz.
Peçamos a Deus na nossa oração pessoal que
nos dilate o coração; que nos ajude a oferecer sinceramente a nossa amizade a
um círculo cada vez mais vasto de pessoas; que nos anime a ampliar
constantemente o campo do nosso apostolado, ainda que num caso ou noutro não
sejamos correspondidos, ainda que seja necessário ceder nalgum ponto de vista
ou nalgum gosto pessoal.
O Senhor sempre nos perdoa! Ele tem uma
paciência infinita com a nossa mesquinhez e com os nossos erros. Por isso nos
pede – e assim nos ensinou expressamente no Pai Nosso – que tenhamos paciência
em face de certas situações e circunstâncias que dificultam que os nossos amigos
ou conhecidos se aproximem de Deus.
Fonte:
http://arqrio.org/formacao/detalhes/1314/contemplar-o-deus-misericordioso