D.
Orani João Tempesta
Cardeal
Arcebispo do Rio de Janeiro
Vivemos no Brasil o ano da Paz! Aqui no Rio
teremos um simpósio sobre a justiça e paz com o Cardeal Turkson. Foi lançado
nestes dias o tema do próximo dia mundial da Paz. A procura e busca da paz
aparece a cada instante como desejo das pessoas de boa vontade. Eis um tema
sempre atual.
Nós iniciamos cada ano com o Dia Mundial da
Paz, instituído pelo Beato Papa Paulo VI no dia 8 de dezembro de 1967, com
vistas a começar no primeiro dia de janeiro de 1968. É um dos frutos do
Concílio Vaticano II.
A data é muito propícia, pois toca, a nosso
ver, três pontos deveras especiais: 1) o início de um novo ano, no qual as
pessoas costumam fazer votos de grandes realizações aos seus semelhantes. Ora,
nada melhor do que desejar paz, que é a tranquilidade da ordem, no dizer de
Santo Agostinho de Hipona (século V); 2) é o dia de Nossa Senhora, celebrada
sob o título mais antigo que a Igreja lhe reconheceu: o de Mãe de Deus (Theotókos),
definido já no ano de 431, no Concílio de Éfeso, e que a partir de 1917 passou
a ser invocada pelo Papa Bento XV também como a Rainha da Paz, tendo em vista
tantos problemas da humanidade, mas especialmente a primeira grande guerra de
1914 a 1918; 3) o Ano Novo é tempo de renascimento interior, pois no dia 25 de
dezembro o Menino Deus, Príncipe da Paz, vem até nós e nos traz o desejo da
reconciliação com Ele mesmo e com os irmãos e irmãs, de modo que importa para
bem celebrarmos o Santo Natal e o Ano Bom a preparação interior, especialmente
por meio da Confissão Sacramental em nossas paróquias.
Em vista de tudo isso, já há motivos
suficientes para começarmos a pensar no Dia Mundial da Paz de 1º de janeiro de
2016 com o tema: “Vence a indiferença, conquista a Paz”. Afinal, como já se tem
alertado em muitas outras vezes, nós vivemos a chamada “globalização da
indiferença” e perdemos o nosso senso de pertença ao grande universo com os
nossos irmãos e irmãs, os seres humanos, e, por conseguinte, com o restante de
toda a obra criada, conforme relembra a Encíclica Laudato Si’. Parece que
somos autossuficientes e não dependemos de ninguém, nem nos interessa a dor ou
a alegria alheia. Voltamos ao velho chavão: “Cada um por si e Deus por todos”,
esquecendo-nos de que, diariamente, rezamos (ou ao menos deveríamos rezar) a
Oração do Senhor, na qual não dizemos “Pai meu”, mas, sim, “Pai Nosso”. Daí
decorre que temos irmãos e irmãs a zelar e, ao contrário de Caim (cf. Gn
4,1-16), precisamos entender que somos responsáveis por eles em suas glórias e
desventuras, dizendo “Não” ao individualismo.
Na primeira semana do próximo setembro,
teremos entre nós o Cardeal Peter Kodwo Appiah Turkson, natural de Gana, na
África, e atualmente presidente do Pontifício Conselho de Justiça e Paz no
Vaticano. Ele foi convidado por nós e pela PUC do Rio de Janeiro para proferir
conferências sobre a questão da justiça e da paz. Ele também tem uma importante
atuação no documento do Papa sobre a ecologia, a Laudato Si’. Por isso,
aproveitamos o tema do próximo Dia Mundial da Paz para motivar também a
participação de nossos irmãos e irmãs nas conferências do início do próximo mês
sobre esse assunto tão importante, com (um) uma autoridade que atua nessa área
e é próximo ao Papa Francisco.
A agência do Vaticano nos fala sobre o
anúncio do Dia Mundial da Paz 2016: “A paz deve ser conquistada: não é um bem
que se obtém sem esforços, sem conversão, sem criatividade e sem dialética.
Trata-se de sensibilizar e formar o sentido de responsabilidade em relação às
graves questões que afligem a família humana, como o fundamentalismo e seus
massacres, as perseguições por causa da fé e de pertença étnica, as violações
da liberdade e dos direitos dos povos, o abuso e a escravidão das pessoas, a
corrupção e o crime organizado, as guerras que causam o drama dos refugiados e
dos emigrantes forçados”.
Mais: “A mensagem de 2016 pretende ser um
ponto de partida para todas as pessoas de boa vontade, em particular àquelas
que atuam na educação, na cultura e nos meios de comunicação, para que ajam,
cada uma segundo suas próprias possibilidades e de acordo com as melhores
aspirações, para construírem juntas um mundo mais consciente e misericordioso
e, portanto, mais livre e mais justo”.
É certo que as nossas sociedades, tanto
urbanas, sobretudo das metrópoles, e também as rurais, mudaram muito com a
escalada da violência nos últimos tempos, de modo que já não há mais
reciprocidade nas pessoas; elas falam com as outras, não raras vezes precavidas
de poderem estar sendo vítimas de um golpe estelionatário ou mesmo de um
“estudo” para serem futuramente assaltadas ou sequestradas. Nem os mais idosos
escapam. Isso gera desconfiança, medo e a consequente falta de caridade. A
cultura da cordialidade brasileira, conhecida até no Exterior, parece
demasiadamente ameaçada, sem que haja uma resposta à altura.
Tudo isso sem falar nos conflitos de guerras
espalhados pelo mundo, nos quais centenas de milhares de pessoas já perderam
suas vidas, dentre elas famílias inteiras inocentes e alheias aos problemas
causados por disputas de poder, sejam de que tipos forem, sempre tão contrárias
à Paz que Cristo nos veio trazer. Vez ou outra são reacesos de problemas
antigos ou alimentados novos, de modo que o próprio Papa Francisco chegou a
falar que estamos no contexto de uma 3ª guerra mundial, tamanha a força da
violência que testemunhamos nos nossos tempos. Tempos de grandes avanços
científico-tecnológicos, mas ausentes, não poucas vezes, de humanidade, de
caridade, de amor ao próximo, o que gera a frieza para com o semelhante e a
indiferença para com o mal.
Também falta Paz aos setores mais frágeis da
nossa sociedade em diversas partes do mundo, de modo que na recente Encíclica Laudato
Si’ Francisco repete muitas vezes o dilema dos mais pobres. Ele o faz não
apenas para relembrar chavões que possam inspirar a odiosa luta de classes,
mas, sim, para sustentar a opção preferencial, porém não exclusiva nem
excludente, para com aqueles que não têm voz e nem vez em um mundo marcado pela
busca incessante do lucro e do poder. Aquele que nada produz é relegado à
cultura do descarte.
Estão aqui, como sempre recorda o Santo
Padre, as crianças indefesas no ventre materno, tidas por alguns como meros
amontoados de células, mas não uma vida humana como todas as outras. Daí, a
violência do aborto a ameaçá-las ainda antes de verem a luz do dia; os idosos
sozinhos, que tanto fizeram pela humanidade, vivem quais prisioneiros de guerra
em alguns países, com medo de irem ao médico para uma consulta de rotina, serem
diagnosticados com problemas graves e sofrerem a eutanásia compulsória. Ou
seja, não serve, mata. É a lógica da indiferença que foge da Paz e gera o medo.
Outra classe atingida pela ausência de Paz é a dos adolescentes e jovens que,
sem trabalhos ou estudos, ficam à margem de uma sociedade excludente, na qual
parece haver uma seleção desumana com lugar apenas para os fortes ou
preparados. Os demais podem cair em uma escravidão terrível de vícios e crimes
que não se curam com prisões, mas, sim, com métodos educativos abrangentes,
capazes de chegar a todos de verdade e sem omissões da sociedade em geral,
especialmente do poder público, que se propõe a dar uma educação de qualidade
ao nosso povo.
Outras duas formas de violência que não podem
deixar de ser registradas em nossos dias são a perseguição sangrenta às
minorias religiosas, especialmente aos cristãos em alguns países dominados por
radicais de vários segmentos religiosos ou filosóficos, com destaques para a
Índia, o Oriente Médio, a China ou certas regiões da África, onde também
existem conflitos raciais há muito tempo, ou as perseguições mais veladas nos
países ditos democráticos, mas que impedem o livre exercício da liberdade
religiosa e de consciência. Até mesmo no Brasil, a objeção de consciência,
entendida como um direito humano básico de se opor a tudo aquilo que contraria
nossos princípios religiosos, filosóficos ou pacifistas, vem sendo ameaçada e
pode mesmo ser supressa, caso as forças vivas da Nação não ergam suas vozes,
dentro da lei e da ordem, mas com firmeza, contra essa forma de violência
disfarçada, porém muito intolerante.
Diante desse quadro sombrio, contudo bastante
incompleto, alguns seriam levados ao desespero. Afinal, que fazer? A primeira
atitude do cristão é converter o próprio coração a fim de que o mundo à sua
volta seja melhor, pois, ao contrário do que prega a sociedade individualista,
nós somos, na humanidade, solidários uns para com os outros, de modo que o bem
que fazemos ou deixamos de fazer repercute na vida dos nossos irmãos e irmãs de
forma benéfica ou trágica. A segunda atitude é buscarmos nos aliar a grupos
sérios, de caráter religioso ou não, que trabalham pela Paz e pelo bem do
próximo, por meio da caridade especialmente. Seremos uma gotinha no oceano, mas
ali faremos a diferença que só o nosso trabalho pode fazer: o pouco com Deus é
tudo!
Nada disso, no entanto, se consegue sem a
oração, alma da alma cristã, conforme se referem alguns autores entendidos no
caminho da Espiritualidade. Daí refletirmos sobre tudo isso às vésperas das
conferências do Cardeal Turkson aqui no Rio de Janeiro, neste ano em que a CNBB
consagrou como o Ano da Paz.
Reflitamos, rezemos e ajamos, dentro de
nossas possibilidades, para que a Paz realmente frutifique em nosso meio,
começando em nossa casa, no trabalho, na escola, enfim, nos nossos ambientes
cotidianos para daí se espalhar, positivamente, por toda a sociedade, com a
graça de Deus e a intercessão de sua Mãe Maria Santíssima, a Rainha da Paz.
Fonte:
http://arqrio.org/formacao/detalhes/873/vence-a-indiferenca-e-conquista-a-paz