Entenda também com o Padre
Fabio Siqueira, que explicou um pouco sobre o que é um Sínodo, e a sua
importância. Veja também como a Igreja pede que seja a postura de um cristão
católico.
Padre Fabio Siqueira - Rio
de Janeiro
De 06 a 27 de outubro realizar-se-á em Roma a
Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica, que foi
convocado pelo Papa Francisco no dia 15 de outubro de 2017, na Missa de
canonização dos mártires de Uruaçú e Cunhaú. Muitos rumores e suspeitas têm
sido levantados com relação ao Sínodo.
Em virtude disso, é importante esclarecer os
fiéis para que entendam, em primeiro lugar, o que é o Sínodo e qual sua função;
depois, o que o ensinamento da Igreja fala sobre as questões ecológicas; por
último, esclarecer que o Sínodo da Amazônia de forma alguma representa quebra
de unidade no que diz respeito à fé católica. Resolvemos fazer esse presente
instrumento de esclarecimento em forma de perguntas e respostas, porque assim
nos pareceu mais didático.
1) O que significa a palavra
“sínodo”?
O termo “sínodo” deriva do grego “sýnodos”,
que significa “reunião”. O termo é composto pelo prefixo “syn” (junto com/junto
de/junto a) e pelo substantivo “hodós” (caminho). O verbo grego synodéo
significa “fazer um caminho com alguém”.
2) O que é o “Sínodo dos
Bispos”?
A Constituição Dogmática Lumen Gentium, no
seu n. 22, apresenta o episcopado como um “Colégio” que tem à sua frente o
sucessor de Pedro, o Papa. Assim procedendo, o documento deixou claro que cabe
aos bispos, sempre em união com o Romano Pontífice, em virtude do múnus de
ligar e desligar que também receberam, enquanto sucessores dos Apóstolos,
participar ativamente nas decisões que afetam a vida eclesial.
Assim
se exprime a Lumen Gentium em um trecho do n. 22:
“Enquanto composto de
muitos, este Colégio exprime a variedade e a universalidade do Povo de Deus; e
enquanto unido sob um Chefe, exprime a unidade do rebanho de Cristo. Nele, os
Bispos, respeitando fielmente o primado e o principado de seu Chefe, gozam do
poder próprio para o bem dos seus fiéis e mesmo para o bem de toda a Igreja,
revigorando sempre o Espírito Santo sua estrutura orgânica e a sua concórdia.”
A constituição, de fato, deste Sínodo se deu
em 15 de setembro de 1965, pelo Papa Paulo VI, através da Carta Apostólica sob
a forma de Motu Proprio “Apostolica Sollicitudo”. Ali se define o que seja o
Sínodo dos Bispos, de acordo com o pensamento dos padres conciliares expresso
na Lumen Gentium. A função do sínodo é “consultiva” (edocendi et concilia dandi
se afirma no original latino). Contudo, o Sínodo pode ter uma função
deliberativa, sendo que esta precisa ser ratificada pelo Romano Pontífice.
O decreto Christus Dominus, sob o múnus
pastoral dos bispos na Igreja, assim se exprime no seu n. 5 com relação ao
Sínodo dos Bispos recém instituído: “Alguns Bispos das diversas regiões do
mundo, escolhidos do modo e processo que o Romano Pontífice estabeleceu ou vier
a estabelecer, colaboram mais eficazmente com o pastor supremo da Igreja
formando um Conselho que recebe o nome de Sínodo Episcopal. Este Sínodo, agindo
em nome de todo o Episcopado católico, mostra ao mesmo tempo que todos os
Bispos em comunhão hierárquica participam da solicitude por toda a Igreja.”
3) Por que um Sínodo sobre a
Amazônia
Em primeiro lugar, porque a Igreja se
preocupa com todos os fiéis e, também, com os problemas do mundo em geral.
Existem muitos cristãos na Amazônia que estão desassistidos: passam meses,
senão anos, sem os sacramentos. Existe uma enorme escassez de clero naquela
região. E, além disso, existem problemas sociais gravíssimos em todas áreas:
educação, saúde, mobilidade etc. Um outro problema que assola a região
amazônica é a questão ecológica.
A preocupação com a ecologia não é uma
novidade do ministério do Papa Francisco. O apelo a que se cuide do planeta tem
ecoado no Magistério dos últimos Papas. Aqui recordamos o ensinamento de Paulo
VI; São João Paulo II; o Papa Emérito Bento XVI e, por último, o atual Pontífice,
Francisco:
Papa Paulo VI (Carta
Apostólica Octogesima Adveniens, 21 – 14/05/1971)
“À medida que o horizonte do
homem assim se modifica, a partir das imagens que se selecionam para ele, uma
outra transformação começa a fazer-se sentir, consequência tão dramática quanto
inesperada da atividade humana. De um momento para outro, o homem toma
consciência dela: por motivo da exploração inconsiderada da natureza, começa a
correr o risco de destruí-la e de vir a ser, também ele, vítima dessa
degradação. Não só já o ambiente material se torna uma ameaça permanente,
poluições e lixo, novas doenças, poder destruidor absoluto; é mesmo o quadro
humano que o homem não consegue dominar, criando assim, para o dia de amanhã,
um ambiente global, que poderá tornar-se-lhe insuportável. Problema social de
envergadura, este, que diz respeito à inteira família humana.”
Papa São João Paulo II
(Mensagem para o Dia Mundial da Paz – 1990)
“Perante a difusa degradação
do ambiente, a humanidade já se vai dando conta de que não se pode continuar a
usar os bens da terra como no passado. A opinião pública e os responsáveis
políticos estão preocupados com isso; e os estudiosos das mais diversas
disciplinas debruçam-se sobre as causas do que sucede. Está assim a formar-se
uma consciência ecológica, que não deve ser reprimida, mas antes favorecida, de
maneira que se desenvolva e vá amadurecendo até encontrar expressão adequada em
programas e iniciativas concretas.”
Papa Emérito Bento XVI
(Carta Encíclica Caritas in Veritate, n. 48 – 29/06/2009)
“O tema do desenvolvimento
aparece, hoje, estreitamente associado também com os deveres que nascem do
relacionamento do homem com o ambiente natural. Este foi dado por Deus a todos,
constituindo o seu uso uma responsabilidade que temos para com os pobres, as
gerações futuras e a humanidade inteira.”
Papa Francisco (Carta
Encíclica Laudato Sì, n. 14 – 24/05/2015)
“Lanço um convite urgente a
renovar o diálogo sobre a maneira como estamos a construir o futuro do planeta.
Precisamos de um debate que nos una a todos, porque o desafio ambiental, que
vivemos, e as suas raízes humanas dizem respeito e têm impacto sobre todos nós.
O movimento ecológico mundial já percorreu um longo e rico caminho, tendo
gerado numerosas agregações de cidadãos que ajudaram na consciencialização. Infelizmente,
muitos esforços na busca de soluções concretas para a crise ambiental acabam,
com frequência, frustrados não só pela recusa dos poderosos, mas também pelo
desinteresse dos outros. As atitudes que dificultam os caminhos de solução,
mesmo entre os crentes, vão da negação do problema à indiferença, à resignação
acomodada ou à confiança cega nas soluções técnicas. Precisamos de nova
solidariedade universal. Como disseram os bispos da África do Sul, «são
necessários os talentos e o envolvimento de todos para reparar o dano causado
pelos humanos sobre a criação de Deus.”
Basta uma breve pesquisa pelas notas de
rodapé da Laudato Sí e dos outros documentos citados acima, para percebermos
que o discurso cristão católico sobre o meio ambiente já dura décadas e já se
tornou parte integrante do que chamamos Doutrina Social da Igreja. Portanto,
não deveria causar tanta estranheza nos fiéis um Sínodo que fale sobre a
Amazônia, que se preocupe com questões relativas à ecologia.
Contudo, os mais acalorados debates não tem
sido somente sobre o envolvimento da Igreja no desejo de dar o seu parecer a
respeito do cuidado devido ao planeta, enquanto casa comum. A grande sombra que
se lança no sínodo da Amazônia vem de uma das propostas que foram recolhidas no
Instrumentum Laboris que diz respeito à ordenação de homens casados para o
ministério presbiteral.
4) O que é um Instrumentum
Laboris
Antes de entrar nesse tema do celibato, vale
ressaltar que o Instrumentum Laboris é o que o seu nome diz: um “instrumento de
trabalho”. Fruto de uma larga consulta, feita a todos os estamentos da Igreja,
o “instrumento” tem como função mostrar os diversos aspectos do problema que se
quer tratar, suas nuances, o modo como isso afeta a vida da Igreja e quais as
propostas que vem das bases para serem discutidas pelos bispos e APROVADAS OU
NÃO. Isso mesmo: APROVADAS ou NÃO.
Quem vai decidir se tais propostas são
válidas ou não, são os bispos juntamente com o Papa, que ratificará ou não suas
decisões, uma vez que o Pontífice está acima do Sínodo e de qualquer colégio no
que diz respeito ao seu tríplice múnus. O Sínodo pode aproveitar propostas,
melhorar outras, rejeitar as que não forem convenientes e elaborar outras que
melhor correspondam à fé e ao momento eclesial atual.
5) Ordenar homens casados é
uma “heresia”?
Em primeiro lugar, devemos entender o que é
“heresia”. O conceito de heresia está no n. 751 do Código de Direito Canônico:
Chama-se heresia a negação pertinaz, após a recepção do Batismo, de qualquer
verdade que se deva crer com fé divina e católica, ou a dúvida pertinaz a
respeito dela. Não pode haver heresia se não há negação de uma “verdade de fé”,
ou seja, de um “dogma”. Ora, o celibato não é um dogma, mas uma disciplina
eclesiástica, que pode mudar ou não, de acordo com o juízo do magistério
eclesial.
As Igrejas ortodoxas e mesmo as Igrejas
católicas de rito oriental possuem uma disciplina diferente. Os padres casados
dessas Igrejas seriam “hereges”? Seria um absurdo fazer tal afirmação.
Lembremo-nos que, antes do Concílio Vaticano II, não se ordenavam homens
casados para o diaconato e agora se ordenam os viri probati. Seriam os diáconos
casados “hereges”? Querer intitular como heresia uma simples proposta que ainda
não foi nem discutida e nem, muito menos, aceita, pode ser um absurdo. Isso só
pode se dar por puro desconhecimento de conceito ou, na pior das hipóteses, por
má fé.
6) O que devemos fazer?
Devemos, em primeiro lugar, rezar com
respeito filial pelos bispos e pelo Santo Padre, para que o Espírito Santo do
Senhor os ilumine na sua jornada sinodal. Lembremo-nos de At 12,5: “Mas,
enquanto Pedro estava sendo mantido na prisão, fazia-se incessantemente oração
a Deus por parte da Igreja, e favor dele.” A Igreja primitiva “rezava por
Pedro”. Vemos muitos que se dizem cristãos manchando o bom nome de Pedro,
defraudando a imagem de nosso querido Papa Francisco.
Depois, devemos nos recordar do que ensina o
Código de Direito Canônico no cânon 753: “Os Bispos, que se acham em comunhão
com a cabeça e os membros do Colégio, quer individualmente, quer reunidos nas
Conferências dos Bispos ou em concílios particulares, embora não gozem da
infalibilidade do ensinamento, são autênticos doutores e mestres dos fiéis
confiados a seus cuidados; os fiéis estão obrigados a aderir, com religioso
obséquio de espírito, a esse autêntico Magistério dos bispos”.
Se um clérigo isolado ou determinado grupo ou
associação de fiéis manifesta claro desprezo pelo Pontífice e incita o povo a
deixar de seguir seus ensinamentos, os fiéis em comunhão com o Papa não devem
se deixar influenciar por estas opiniões pessoais ou ataques, pois um bom católico
não segue quem busca dividir a Igreja de Cristo.
Padre Fabio da Silveira
Siqueira é padre da Arquidiocese do Rio de Janeiro,
vice-diretor das Escolas de Fé e Catequese Mater Ecclesiae e Luz e
Vida e doutorando em Teologia Bíblica – PUC/RJ.