Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ
Temos a graça de celebrarmos neste dia 8 de setembro, a festa da Natividade de Nossa Senhora. A Igreja celebra com júbilo a festa de Nossa Senhora por ser a Mãe de Deus que se faz Homem, por ter dado corpo ao Verbo divino, para que acontecesse a salvação da humanidade.
Marcos Barbosa, OSB assim escreveu: “Salve, Rainha, nós te saudamos pelo dia dos teus anos, a ti, que és a única a fazê-lo eternamente, pois talvez nem passaste pela morte, ou logo a venceste, retirada do sepulcro pelos anjos impacientes. Nós filhos de Eva, que temos a certeza de morrer um dia, te saudamos e convocamos, a cada instante, para a hora, o momento de nossa morte. Queremos-te agora, mas também naquela hora decisiva. Tu, e mais ninguém em teu lugar. Porque só tu podes tudo. Poderás obter que o teu Filho prepare diretamente o nosso coração, se já os outros sacerdotes não lhe tiverem acesso, pela distancia ou enevoado véu que nos envolva. Tu estarás presente. Tu és a mais presente, e não apenas a mais bendita entre as mulheres.”
A celebração do nascimento da Virgem Maria, como disse santo André de Creta (cf. Ofício das leituras), honra a natividade da Mãe de Deus. “A celebração de hoje é para nós o começo de todas as festas”, afirma o Calendário Litúrgico Bizantino. O nascimento de Maria Santíssima traz ao mundo o anuncio jubiloso de uma boa nova: a mãe do Salvador já está entre nós. Ele é o alvorecer prenunciativo de nossa salvação, o início histórico da obra da Redenção.
São Pedro Damião afirma em sua homilia para essa festa: “Deus onipotente, antes que o homem caísse, previu a sua queda e decidiu, antes dos séculos, a redenção humana. Decidiu Ele encarnar-se em Maria.” “Hoje é o dia em que Deus começa a pôr em prática o seu plano eterno, pois era necessário que se construísse a casa, antes que o Rei descesse para habitá-la. Casa linda, porque, se a Sabedoria constrói uma casa com sete colunas trabalhadas, este palácio de Maria está alicerçado nos sete dons do Espírito Santo. Salomão celebrou de modo soleníssimo a inauguração de um templo de pedra. Como celebraremos o nascimento de Maria, templo do Verbo encarnado? Naquele dia a glória de Deus desceu sobre o templo de Jerusalém sob forma de nuvem, que o obscureceu.
Nessa festa o mundo católico admira Nossa Senhora como sendo Ela a aurora que anuncia o Sol de justiça que dissipa as trevas do pecado. Nela, a Igreja convida a “contemplarmos uma menina como todas as outras, e que ao mesmo tempo é única, pois, Ela é a “bendita entre todas as mulheres” (Lc 1, 42), a Imaculada “filha de Sião”, destinada a tornar-se a Mãe do Messias”. (São João Paulo II, Audiência de 8/9/2004).
O Evangelho da Missa da Natividade Mt 1,1-16.18-23 – é o Evangelho da genealogia de Jesus. A genealogia de uma pessoa ou família no contexto cultural de Jesus tinha grande importância jurídica e trazia consequências para a vida social e religiosa: a posição social, a origem racial e a origem religiosa. Mateus sinaliza que Jesus carrega dentro de si a história do povo de Deus da Antiga Aliança nos grandes momentos: patriarcal, real e pós – exílica do Messias. Contudo, vai além da mentalidade judaica e remonta a origem em Abraão. Por isso, a genealogia tem mais função simbólica: como descendente de Davi, Jesus é o portador do reino messiânico e como descendente de Abraão, realiza a esperança da promessa para todos os povos (cf. Gn 12,3; 18,18 – lidos em ótica cristã em Gn 3,8).
As sociedades patriarcais somente o nome do pai consta na descendência da família. As genealogias da Bíblia, com algumas exceções (1 Cr 2,4 e 3,5) não incluem o nome das mães. Mateus cita quatro mulheres, além de Maria. E as citadas não seriam exemplos aos olhos de um moralista: Tamar comete incesto com o sogro (Gn 38,14 – 18); Raab é a prostituta (Js 2,1); a mulher de Urias foi tomada criminosamente por Davi (2Sm 11,1 – 5) e Rute que usou a esperteza para garantir o casamento com Booz ( Rt 3,7 – 15). Contudo, o judaísmo celebrava a justiça e o mérito dessas mulheres (cf. Gn 38,26 = Tamar; Rt 3,10 = Rute; Hb 11,31 e Tg 2,25 = Raab).
São Mateus introduz essas mulheres na corrente originante do Messias, sublinhando a gratuidade de Deus na sua ação salvadora. Assim como em Maria, em cada caso há uma providência exercida por Deus na escolha de pessoas que vão dar continuidade na linhagem messiânica – o Messias – que vem na contramão de quem quer subjugar o processo histórico, os caminhos de Deus. Neste sentido, através de Tamar, Judá propagou a linhagem messiânica; por meio de coragem de Raab, Israel entrou na terra prometida; através de Rute (= a bisavó) foi gerado Davi; e pela mulher de Urias o trono de Davi passou para Salomão.
Mateus quer realçar a figura de Maria, como instrumento divino no plano messiânico. No v.16, aparece uma ruptura na genealogia: “Jacó gerou José, o esposo de Maria da qual nasceu Jesus chamado Cristo”, que revela a fé da comunidade que acredita na concepção virginal de Deus.
Assim se exprimiu o Padre Antônio Vieira sobre essa celebração: “Quereis saber quão feliz, quão alto é e quão digno de ser festejado o Nascimento de Maria? Vede o para que nasceu. Nasceu para que d’Ela nascesse Deus. (…) Perguntai aos enfermos para que nasce esta celestial Menina, dir-vos-ão que nasce para Senhora da Saúde; perguntai aos pobres, dirão que nasce para Senhora dos Remédios; perguntai aos desamparados, dirão que nasce para Senhora do Amparo; perguntai aos desconsolados, dirão que nasce para Senhora da Consolação; perguntai aos tristes, dirão que nasce para Senhora dos Prazeres; perguntai aos desesperados, dirão que nasce para Senhora da Esperança. Os cegos dirão que nasce para Senhora da Luz; os discordes, para Senhora da Paz; os desencaminhados, para Senhora da Guia; os cativos, para Senhora do Livramento; os cercados, para Senhora da Vitória. Dirão os pleiteantes que nasce para Senhora do Bom Despacho; os navegantes, para Senhora da Boa Viagem; os temerosos da sua fortuna, para Senhora do Bom Sucesso; os desconfiados da vida, para Senhora da Boa Morte; os pecadores todos, para Senhora da Graça; e todos os seus devotos, para Senhora da Glória. E se todas estas vozes se unirem em uma só voz, dirão que nasce para ser Maria e Mãe de Jesus” (Sermão do Nascimento da Mãe de Deus).”
Ao celebrar a festa do nascimento da virgem Maria, também queremos nos reportar este ano em que nós brasileiros temos a graça de celebrarmos os 300 anos do encontro da Imagem de Nossa Senhora Aparecida, junto as margens do Rio Paraíba do sul. Neste momento nasce uma devoção própria em nosso país. Queremos neste dia, confiar a nossa vida Aquela que em tudo fez a vontade de Deus.
Fonte: https://www.cnbb.org.br/natividade-de-nossa-senhora/