Sofrônio
Eusébio Jerônimo nasceu em Estridão, na Dalmácia (região da atual Croácia).
Estima-se que tenha nascido no ano 340 ou 347. Segundo o Martirológio
Jeronimiano, morreu em Belém da Judeia, no dia 30 de setembro do ano 420. No
século VIII, a sua memória litúrgica já era celebrada na Gália, de onde passou
para toda a Igreja Ocidental. São Jerônimo teve uma juventude conturbada, mas,
depois de receber uma sólida formação romana na escola do famoso reitor Donato,
tornou-se catecúmeno no ano 366 e recebeu o batismo pelas mãos do Papa Libério,
que governou a Igreja de 352-366.
Após
passar por Treviri, em busca de uma boa colocação social, São Jerônimo foi
parar em Aquileia, onde permaneceu, por alguns anos, junto à comunidade
ascética local. Nesta, conheceu Bonoso, Eliodoro e Rufino, com este, mais
tarde, teve vários embates. A partir desse momento, São Jerônimo começou a
formar a sua biblioteca pessoal, copiando para si os clássicos cristãos: Tertuliano,
Cipriano, Ilário etc. Depois disso, partiu para o Oriente e chegou a Antioquia,
onde acompanhou Evágrio Pôntico, que iniciou São Jerônimo na vida monástica,
ocasião que lhe favoreceu aprender perfeitamente o grego. Em meio a uma
enfermidade, São Jerônimo teve a célebre visão narrada por Santa Eustóquia na
qual, chamado em juízo e respondendo que era cristão, foi desmentido pelo
Divino Juiz que lhe disse: “tu és ciceroniano e não cristão”, pois “onde está o
teu coração, lá estará o teu tesouro” (Mt 6,21). Graças a essa visão, São
Jerônimo, então, renunciou e abandonou o que, dentro de si, ainda havia da vida
pagã e passou a se dedicar intensamente à vida ascética no deserto de Calcide,
a sudeste de Antioquia, onde aprendeu a língua hebraica e o aramaico. Nessa
ocasião, após ter superado grandes e graves tentações pela oração e austera
penitência, aceitou ser ordenado sacerdote pelo bispo Paulino, aos 38 anos de
idade, desde que não tivesse que renunciar à liberdade e ao estilo da vida
monástica. Chegou em Constantinopla entre 380-381, onde conheceu Gregório de
Nazianzo, Gregório de Nissa e a prática da exegese alegórica alexandrina. Foi
um importante momento, pois se dedicou a traduzir as homilias de Orígenes sobre
Ezequiel e a crônica de Eusébio de Cesareia, inclusive completando-a do ano 326
ao ano 379. Pouco tempo depois, acompanhou Paulino de Antioquia e Epifânio de
Salamina a Roma para o Concílio Romano de 382.
Foi
então que o Papa Dâmaso fez de São Jerônimo o seu secretário pessoal,
encarregando-o de rever a tradução latina dos evangelhos. A razão era óbvia:
São Jerônimo falava e escrevia em latim com perfeição. Por isso, seu latim
acabou por se tornar um modelo para todo o Ocidente. Fundou e orientou
espiritualmente um círculo ascético-bíblico formado por nobres senhoras que
viviam nas vilas do Aventino, dentre elas: Marcela, Paula e sua filha
Eustóquia. Devido à morte do Papa Dâmaso em 384 e aos vários embates com o
enciumado clero romano, por causa da nova versão dos evangelhos e suas fortes
posições morais, São Jerônimo deixou Roma e voltou para o Oriente, acompanhado
de Paula e Eustóquia, que se tornaram suas filhas espirituais. Passou pela
Palestina, pelo Egito, onde consultou o mestre em exegese Dídimo, denominado “o
cego”, e passou também pelo deserto de Nítria, onde viviam vários ascetas.
Finalmente, chegou a Belém de Judá em 386, tornando-se o responsável pelo
mosteiro construído por Paula para as suas companheiras Paulina e Fabiola. No
seu mosteiro masculino, próximo da Gruta da Natividade de Jesus, São Jerônimo
pôde se dedicar intensamente ao trabalho de tradução da Bíblia a partir do
hebraico e da Septuaginta (LXX), bem como à escrita de outras obras, dentre as
quais a “De viris illustribus” (preciosa obra para a história), aos comentários
bíblicos e cerca de 157 cartas, muitas das quais dirigidas à Marcela, que
permaneceu em Roma. Nesse período, viu-se imerso em novos debates, procurando
defender a virgindade contra Joviniano e o origenismo, visto que de 393 a 402
desencadeou-se a chamada crise origenista, ocasionada pelo Panário de Epifânio
de Salamina, uma espécie de história das heresias até o São Jerônimo, sacerdote
e doutor da Igreja (Parte 1) século IV.
Além
disso, entrou em polêmica contra Rufino e João, então bispo de Jerusalém; bem
como contra Pelágio e Vigilâncio. Para nós, então, não resulta difícil entender
o forte temperamento de São Jerônimo, marcado pelo amor à verdade bíblica. O
início do século V foi duro para São Jerônimo que ficou abalado com a morte de
Paula e Eustóquia, suas benfeitoras e filhas espirituais, bem como ficou aflito
pelas notícias que chegavam de Roma, onde o visigodo Alarico causava
destruições. Em 410, recebeu a notícia da morte de Marcela. Por causa das
incursões dos sarracenos na Palestina, entre 410-412, acolheu, em Belém, nobres
reduzidos à miséria e ao medo, interrompendo o seu “Comentário sobre Ezequiel”.
Pouco se sabe sobre os seus últimos dias. Foi sepultado entre as ruínas da sua
habitação.
Em
toda a Idade Média foi venerado e, em uma fantasiosa iconografia, aparece
representado não apenas em vestes cardinalícias, mas também idoso e com poucas
vestes ao lado de um crânio, ou com um leão amansado ou entre feras
pacificadas, além de estar entre mulheres sedutoras. Cenas que buscam retratar
as fases da sua vida e os progressos espirituais que alcançou como grande
asceta. São Jerônimo é considerado um grande erudito entre os escritores
latinos da antiguidade cristã, característica que fez dele, por sua produção
literária, o ideal do estudioso cristão. Por isso, na Idade Média, passou a ser
invocado como patrono das escolas e, particularmente, das faculdades
teológicas. Por seus méritos, aparece, ao lado de Santo Ambrósio (representante
da pastoral), Santo Agostinho (representante da filosofia e da teologia) e São
Gregório Magno (representante da Liturgia), como uma das quatro colunas que
sustentam a vida da Igreja.
Ele
figura como representante das Sagradas Escrituras, razão pela qual passou a ser
invocado como patrono dos que se dedicam aos estudos bíblicos. Por tudo isso, o
presbítero de Belém se tornou uma figura singular de sua época, um gigante
espiritual que lançava, pelos quatro ventos, o seu grito enérgico e vibrante
contra os hereges e todas as formas de decadência moral. Penso no que não teria
feito, graças às suas habilidades, em uma era digital como a nossa. Seu agir
parece se inspirar em figuras proféticas, como Elias e João Batista.
De
tal modo que só os melhores o seguiam e elogiavam, pois os medíocres preferiam
criticar e os malvados só podiam odiar. Bem se aplica a São Jerônimo a frase
paulina: “Se eu quisesse agradar aos homens, como seria servo de Cristo” (Gl
1,10). À diferença de muitos panegíricos sobre os santos, a honra e os louvores
atribuídos a São Jerônimo não são pintados com enfeites e florilégios, mas são
tecidos com a realidade de um homem que, em dado momento, decidiu enfrentar-se,
com coragem, e lutar contra si mesmo e suas inclinações.
São
Jerônimo, rogai por nós!
PADRE
LEONARDO AGOSTINI FERNANDES
Sacerdote da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de
Janeiro
Prof. de Sagrada Escritura do Dep. de Teologia da PUC-Rio
Capelão da Igreja do Divino Espírito Santo do Estácio de
Sá/RJ
CRÉDITOS BIBLIOGRÁFICOS
BENTO
XVI, PP. Audiência geral de 07/11/2007 sobre São Jerônimo (1), disponível
on-line: https://w2.vatican.va/content/ benedict-xvi/pt/audiences/2007/
documents/hf_ben-xvi_ aud_20071107.html
BENTO
XVI, PP. Audiência geral de 14/11/2007 sobre São Jerônimo (2), disponível
on-line: https://w2.vatican.va/content/ benedict-xvi/pt/audiences/2007/
documents/hf_ben-xvi_ aud_20071114.html
GRIBOMONT,
J. “Girolamo”. In: Nuovo dizionario patristico e di antichità cristiane. Vol.
2: F-O (Diretto da Angelo Di Berardino). Genova (Milano): Marietti, 2007, p.
2262-2268. LODI, E. I Santi del Calendario Romano. Pregare con i Santi nella
liturgia. Cinisello Balsamo (Milano): Edizioni Paoline 1990, p. 469-473.