Homilia do Santo Padre na
missa de canonização do Beato Pe. Junípero Serra
O Papa Francisco celebrou nesta quarta-feira
(23) a missa de canonização do Beato Pe. Junípero Serra, no Santuário Nacional
da Imaculada Conceição, em Washington. Apresentamos as palavras pronunciadas
pelo Papa:
«Alegrai-vos sempre no Senhor! De novo o digo:
alegrai-vos!» (Flp 4, 4). Um convite que toca fortemente a nossa vida.
Alegrai-vos – diz-nos São Paulo, com a força quase duma ordem. Um convite no
qual ecoa o desejo que todos experimentemos de uma vida plena, uma vida que
tenha sentido, uma vida jubilosa. É como se Paulo tivesse a capacidade de ouvir
cada um dos nossos corações e desse voz àquilo que sentimos, àquilo que
vivemos. Há algo dentro de nós que nos convida à alegria, não nos contentando
com paliativos que sempre procuram tranquilizar-nos.
Mas, por outro lado, vivemos as tensões da
vida diária. Muitas são as situações que parecem pôr em dúvida este convite. A
dinâmica, a que muitas vezes estamos sujeitos, parece levar-nos a uma
resignação triste que pouco a pouco se vai transformando num hábito com uma
consequência letal: anestesiar o coração.
Não queremos que a resignação seja o motor da
nossa vida; ou será que queremos? Não queremos que a rotina se apodere da nossa
vida; ou sim? Por isso podemos questionar-nos: como proceder para que não se anestesie
o nosso coração? Como aprofundar a alegria do Evangelho nas várias situações da
nossa vida?
Jesus disse aos discípulos de então e
repete-o a nós: Ide! Anunciai! A alegria do Evangelho só se experimenta,
conhece e vive, dando-a, dando-se.
O espírito do mundo convida-nos ao
conformismo, à comodidade. Perante este espírito mundano «é necessário voltar a
sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com
os outros e o mundo» (Enc. Laudato si’, 229); a responsabilidade de anunciar
a mensagem de Jesus. Porque a fonte da nossa alegria situa-se naquele «desejo
inexaurível de oferecer misericórdia, fruto de ter experimentado a misericórdia
infinita do Pai e a sua força difusiva» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 24). Ide
ter com todos, a fim de anunciar ungindo e ungir anunciando. A isto mesmo, nos
convida hoje o Senhor dizendo:
A
alegria, o cristão experimenta-a na missão: ide ter com os povos de todas as
nações.
A
alegria, o cristão encontra-a num convite: ide e anunciai.
A
alegria, o cristão renova-a e actualiza-a com uma vocação: ide e ungi.
Jesus envia-vos a todas as nações, a todos os
povos. E, neste «todos» de há dois mil anos, estávamos incluídos também nós.
Jesus não dá uma lista selectiva com aqueles a quem se deve ir e a quem não ir,
com aqueles que são dignos, ou não, de receber a sua mensagem e a sua presença.
Pelo contrário, abraçou sempre a vida tal qual Lhe aparecia: com cara de
tristeza, fome, doença, pecado; com cara de ferimentos, sede, cansaço; com cara
de dúvidas e de fazer piedade. Longe de esperar uma vida embelezada, decorada,
maquiada, abraçou-a como a encontrava; mesmo que fosse uma vida que muitas
vezes se apresentava arruinada, suja, destroçada. A todos – disse Jesus – a
todos, ide e anunciai; a toda esta vida, tal como é e não como gostaríamos que
fosse: ide e abraçai no meu nome. Ide pelas encruzilhadas dos caminhos, ide...
anunciar, sem medo, sem preconceitos, sem superioridade nem purismos; a todos
aqueles que perderam a alegria de viver, ide anunciar o abraço misericordioso
do Pai. Ide ter com aqueles que vivem com o peso da tristeza, do fracasso, da
sensação duma vida destroçada, e anunciai a loucura dum Pai que procura
ungi-los com o óleo da esperança, da salvação. Ide anunciar que os erros, as
ilusões enganadoras, as incompreensões não têm a última palavra na vida duma
pessoa. Ide com o óleo que cura as feridas e restabelece o coração.
A missão nunca nasce dum projecto
perfeitamente elaborado ou dum manual bem estruturado e programado; a missão
nasce sempre duma vida que se sentiu procurada e curada, encontrada e perdoada.
A missão nasce de se fazer uma, duas e mais vezes a experiência da unção
misericordiosa de Deus.
A Igreja, o povo santo de Deus, sabe
percorrer as estradas poeirentas da história, frequentemente permeadas por
conflitos, injustiças e violência, para ir encontrar os seus filhos e irmãos. O
santo povo fiel de Deus não teme o erro; teme o fechamento, a cristalização em
elite, o agarrar-se às próprias seguranças. Sabe que o fechamento, nas suas
múltiplas formas, é a causa de tantas resignações.
Por isso saiamos, vamos oferecer a todos a
vida de Jesus Cristo (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 49). O povo de
Deus sabe envolver-se, porque é discípulo d'Aquele que Se ajoelhou diante dos
seus, para lhes lavar os pés (cf. ibid., 24).
Hoje encontramo-nos aqui, podemos
encontrar-nos aqui, porque houve muitos que tiveram a coragem de responder a
esta chamada; muitos que acreditaram que «na doação a vida se fortalece, e se
enfraquece no comodismo e no isolamento» (Documento de Aparecida, 360). Somos
filhos da ousadia missionária de muitos que preferiram não se fechar «nas
estruturas que nos dão uma falsa protecção (...), nos hábitos em que nos
sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta» (Exort.
ap. Evangelii gaudium, 49). Somos devedores duma Tradição, duma cadeia de
testemunhas que tornaram possível que a Boa Nova do Evangelho continue a ser,
de geração em geração, Nova e Boa.
E hoje recordamos uma daquelas testemunhas
que souberam testemunhar nestas terras a alegria do Evangelho: Padre Junípero
Serra. Soube viver aquilo que é «a Igreja em saída», esta Igreja que sabe sair
e ir pelas estradas, para partilhar a ternura reconciliadora de Deus. Soube
deixar a sua terra, os seus costumes, teve a coragem de abrir sendas, soube ir
ao encontro de muitos aprendendo a respeitar os seus costumes e as suas
características.
Aprendeu a gerar e acompanhar a vida de Deus
nos rostos daqueles que encontrava, tornando-os seus irmãos. Junípero procurou
defender a dignidade da comunidade nativa, protegendo-a de todos aqueles que
abusaram dela; abusos que hoje continuam a encher-nos de pesar, especialmente
pela dor que provocam na vida de tantas pessoas.
Escolheu um lema que inspirou os seus passos
e plasmou a sua vida: «Sempre avante». Soube-o dizer, mas sobretudo viver. Esta
foi a maneira que Junípero encontrou para viver a alegria do Evangelho, para
que não se anestesiasse o seu coração. Foi sempre avante, porque o Senhor
espera; sempre avante, porque o irmão espera; sempre avante por tudo aquilo que
ainda tinha para viver; foi sempre avante. Como ele então, possamos também nós
hoje dizer: sempre avante.
Fonte:
http://www.zenit.org/pt/articles/papa-a-alegria-do-evangelho-so-se-experimenta-conhece-e-vive-dando-a-dando-se