D. Orani João Tempesta
Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro
Os bispos
do Brasil na Assembleia Geral do ano passado pediram que este ano fosse o Ano
da Paz. Diante de tanta violência e insegurança, votamos para que assim o
fosse. A partir do Advento de 2014, iniciando o novo ano litúrgico, até o Natal
deste ano de 2015, as iniciativas e orações para comemorar este ano deveriam
estar presentes em nosso trabalho pastoral como um tema transversal, ou seja,
que estivesse atravessando por todas as iniciativas pastorais em nossa
arquidiocese. Uma iniciativa comum sugerida foi a Caminhada pela Paz no Dia de
São Francisco de Assis, dia 4 de outubro, que neste ano celebramos no Domingo,
dia do Senhor.
A realidade
que vivemos é dramática! A violência continua uma constante. Os motivos que
alimentam conflitos e guerras são diversos: a injustiça que obriga dois bilhões
a sobreviver com menos de R$ 4 reais por dia, divergências culturais e
religiosas, sistema militar e necessidades da indústria de armamentos. Tudo faz
parte de uma “iniquidade estrutural” que se traduz nas violências nossas de
cada dia.
Vivemos uma
cultura de violência fomentada por diversos ciclos viciosos, presentes em todos
os lugares: na mídia, nos brinquedos, no trânsito. Isso somado à
individualidade e à busca pela satisfação imediata faz com que as pessoas sejam
menos capazes de lidar com suas frustrações, e estejam mais propensas a
transformar pequenos atritos em grandes confrontos.
O Brasil é
um dos países onde mais se mata com arma de fogo. São quase 40 mil mortes por
ano, ou cerca de uma morte a cada 15 minutos. A maioria delas é causada por
motivos banais, como uma briga de trânsito, ou simplesmente tomando uma cerveja
em determinado bar, um som com um volume muito alto.
A paz
enfrenta atualmente uma realidade que se pode denominar paradoxal: ao mesmo
tempo em que ela é violada em cada quarteirão, bairro, fronteira, país ou
etnia, é também reclamada, com a mesma intensidade da sua violação, em cada
discurso e manifestação em prol do bem comum, da não violência, dos direitos
humanos, dos direitos da mulher e da criança.
Religiões,
líderes religiosos e políticos enfatizam a paz em suas falas ou escritos como
realidade impostergável. Basta reportar alguns discursos dos últimos Papas, com
suas pregações ou encíclicas ao mundo.
A paz não
pode sobreviver sem um pacto, sem uma aliança ampla, que seja fruto do conjunto
de todos os esforços humanos em vista da sobrevivência planetária. O Cardeal
Turkson, que esteve entre nós ministrando conferências dentro da reflexão sobre
o trabalho pastoral nas grandes cidades, recordou que a paz é irmã da justiça.
O caminho para a não violência passa pelo respeito à diversidade de culturas,
raças e religiões. Ficamos preocupados com os rumos fanáticos de intolerância
que estão se instalando também em nosso país. Se a relação com o outro for
profunda, implica o desafio de repensar a realidade e as relações sociais a
partir de outros critérios e paradigmas. Desenvolver esta cultura da paz começa
pela vida cotidiana de cada um. Demanda uma autêntica conversão pessoal.
A não
violência não é apenas um ideal a ser buscado, mas uma forma permanente de
vida, baseada na justiça e na inclusão social. É preciso cuidar do outro com o
verdadeiro sentido da palavra. Quem aprofunda este caminho percebe que os atos
violentos – assaltos, sequestros, assassinatos, manifestações de racismo, de
discriminação social e outras injustiças – são apenas expressões ou
consequências da estrutura da sociedade, firmada, ela própria, na violência.
A prática
da não violência começa na desmontagem concreta e ideológica da violência em
toda a sua amplitude. A guerra e o armamentismo parecem, então, absurdos,
principalmente em um mundo que gasta por ano mais de 500 bilhões de dolares com
armas e não tem dinheiro para alimentar milhões de crianças, ou cuidar da saúde
das vítimas da Aids na África.
Desenvolver
esta cultura da paz começa pela vida cotidiana de cada um. Essa consciência
passa inevitavelmente pela família e pela escola. É na família que a criança
começa a desenvolver o seu perfil e caráter. É na escola, com o estudo, que
aumentamos a nossa liberdade. Porque a liberdade só se constrói quando se tem
uma noção de quais são as opções. O verdadeiro ensino religioso nas escolas
daria um ótimo passo para essa cultura de entendimento e paz. Porém, a
intolerância ideológica procura dificultar e questionar cada vez mais essa
possibilidade. O futuro saberá julgar as opções erradas de hoje. A cultura da
paz e o cuidado pelo falso proselitismo passam pela educação religiosa que os
pais não podem deixar de dar aos seus filhos, incutindo neles o senso da paz
que só o Cristo Ressuscitado pode dar a cada um de nós. Se eu tenho só uma
opção na minha frente, que liberdade é essa? Mas se eu sei que existem muitos
caminhos, a minha liberdade será vivida com mais plenitude. Somente através da
educação a pessoa se torna mais consciente e, consequentemente, mais humana.
É neste
sentido, em busca desta paz, que precisamos e devemos refletir e ter medidas
para alcançá-la. Eis que chegamos agora ao momento da “caminhada da paz”, como
decidimos em
nossa Assembleia Geral dos Bispos do Brasil no ano passado. O
convite é que esta “caminhada” seja feita em todas as circunscrições
eclesiásticas no dia 4 de outubro, Dia de São Francisco de Assis.
Assim, como
Pastor da Igreja Peregrina na Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro,
eis que faço o meu pedido para que todas as paróquias e comunidades participem,
em
nosso Santuário Arquidiocesano de Nossa Senhora da Penha,
nesse domingo, 4 de outubro, da missa das 10h da manhã. Após a missa teremos
nossa caminhada pela paz, e o abraço dessa emblemática Igreja carioca,
comprometendo-nos com a construção da paz. Ao mesmo tempo teremos a bênção dos
animais na esplanada do santuário, como é tradição no Dia de São Francisco de
Assis. Deixo aqui a criatividade e iniciativas para que as comunidades
paroquiais que quiserem possam promover também esse evento. A celebração
arquidiocesana, no entanto, se dará em nosso Santuário da
Penha. Devemos, pois, rezar para que alcancemos a paz, mas temos que ter também
gestos como estes que manifestem ao mundo e à sociedade a nossa urgência pela
tão sonhada paz. Para que a paz se estabeleça em nossa cidade, precisamos ser
peregrinos rumo ao Deus da Paz. Só Deus, só Cristo, só a ação do Divino
Espírito Santo pode nos inspirar a sermos construtores da paz!
Que pela
intercessão de São Francisco de Assis, possamos ter um coração, uma família e
uma sociedade de paz. Que sejamos construtores da paz em nossa amada e bela
cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Assista-nos nesta realidade a
proteção do santo patrono da cidade, Sebastião.
Que Deus
vos abençoe e a todos dê a paz! “Senhor, fazei-nos instrumentos de vossa paz”!
Fonte: http://arqrio.org/formacao/detalhes/917/caminhada-pela-paz