(parte 2)
1. «Prestemos atenção»: a responsabilidade pelo irmão.
O primeiro elemento é o convite a «prestar atenção»: o verbo
grego usado é katanoein, que significa observar bem, estar atento,
olhar conscienciosamente, dar-se conta de uma realidade. Encontramo-lo no
Evangelho, quando Jesus convida os discípulos a «observar» as aves do céu, que
não se preocupam com o alimento e, todavia, são objeto de solícita e cuidadosa
Providência divina (cf. Lc 12, 24), e a «dar-se conta» da trave que
têm na própria vista antes de reparar no argueiro que está na vista do irmão
(cf. Lc 6, 41). Encontramos o referido verbo também noutro trecho da
mesma Carta aos Hebreus, quando convida a «considerar Jesus» (3, 1) como o
Apóstolo e o Sumo Sacerdote da nossa fé. Por conseguinte o verbo, que
aparece na abertura da nossa exortação, convida a fixar o olhar no outro, a
começar por Jesus, e a estar atentos uns aos outros, a não se mostrar alheio e
indiferente ao destino dos irmãos. Mas, com frequência, prevalece a atitude
contrária: a indiferença, o desinteresse, que nascem do egoísmo, mascarado por
uma aparência de respeito pela «esfera privada». Também hoje ressoa, com
vigor, a voz do Senhor que chama cada um de nós a cuidar do outro. Também hoje
Deus nos pede para sermos o «guarda» dos nossos irmãos (cf. Gn 4, 9),
para estabelecermos relações caracterizadas por recíproca solicitude, pela
atenção ao bemdo outro e a todo o seu bem. O grande
mandamento do amor ao próximo exige e incita a consciência a sentir-se
responsável por quem, como eu, é criatura e filho de Deus: o fato de sermos
irmãos em humanidade e, em muitos casos, também na fé deve levar-nos a ver no
outro um verdadeiro alter ego, infinitamente amado pelo Senhor. Se
cultivarmos este olhar de fraternidade, brotarão naturalmente do nosso coração
a solidariedade, a justiça, bem como a misericórdia e a compaixão. O Servo
de Deus Paulo VI afirmava que o mundo atual sofre sobretudo de falta de
fraternidade: «O mundo está doente. O seu mal reside mais na crise de fraternidade
entre os homens e entre os povos, do que na esterilização ou no monopólio, que
alguns fazem, dos recursos do universo» (Carta enc. Populorum progressio,
66).
A atenção ao outro inclui que se deseje, para ele ou para
ela, o bem sob todos os seus aspectos: físico, moral e espiritual. Parece
que a cultura contemporânea perdeu o sentido do bem e do mal, sendo necessário
reafirmar com vigor que o bem existe e vence, porque Deus é «bom e faz o bem» (Sal 119/118,
68). O bem é aquilo que suscita, protege e promove a vida, a fraternidade e a
comunhão. Assim a responsabilidade pelo próximo significa querer e
favorecer o bem do outro, desejando que também ele se abra à lógica do bem;
interessar-se pelo irmão quer dizer abrir os olhos às suas necessidades. A
Sagrada Escritura adverte contra o perigo de ter o coração endurecido por uma
espécie de «anestesia espiritual», que nos torna cegos aos sofrimentos alheios.
O evangelista Lucas narra duas parábolas de Jesus, nas quais são indicados dois
exemplos desta situação que se pode criar no coração do homem. Na parábola do
bom Samaritano, o sacerdote e o levita, com indiferença, «passam ao largo» do
homem assaltado e espancado pelos salteadores (cf. Lc 10, 30-32), e,
na do rico avarento, um homem saciado de bens não se dá conta da condição do
pobre Lázaro que morre de fome à sua porta (cf. Lc 16, 19). Em ambos
os casos, deparamo-nos com o contrário de «prestar atenção», de olhar com amor
e compaixão. O que é que impede este olhar feito de humanidade e de
carinho pelo irmão? Com frequência, é a riqueza material e a saciedade, mas
pode ser também o antepor a tudo os nossos interesses e preocupações próprias. Sempre
devemos ser capazes de «ter misericórdia» por quem sofre; o nosso coração nunca
deve estar tão absorvido pelas nossas coisas e problemas que fique surdo ao
brado do pobre. Diversamente, a humildade de coração e a experiência
pessoal do sofrimento podem, precisamente, revelar-se fonte de um despertar
interior para a compaixão e a empatia: «O justo conhece a causa dos pobres,
porém o ímpio não o compreende» (Prov 29, 7). Deste modo entende-se a
bem-aventurança «dos que choram» (Mt 5, 4), isto é, de quantos são capazes
de sair de si mesmos porque se comoveram com o sofrimento alheio. O
encontro com o outro e a abertura do coração às suas necessidades são ocasião
de salvação e de bem-aventurança.
O fato de «prestar atenção» ao irmão inclui, igualmente, a
solicitude pelo seu bem espiritual. E aqui desejo recordar um aspecto da vida
cristã que me parece esquecido: a correção fraterna, tendo em vista a
salvação eterna. De forma geral, hoje se é muito sensível ao tema do
cuidado e do amor que visa o bem físico e material dos outros, mas quase não se
fala da responsabilidade espiritual pelos irmãos. Na Igreja dos primeiros
tempos não era assim, como não o é nas comunidades verdadeiramente maduras na
fé, nas quais se tem a peito não só a saúde corporal do irmão, mas também a da
sua alma tendo em vista o seu destino derradeiro. Lemos na Sagrada Escritura:
«Repreende o sábio e ele te amará. Dá conselhos ao sábio e ele tornar-se-á
ainda mais sábio, ensina o justo e ele aumentará o seu saber» (Prov 9,
8-9). O próprio Cristo manda repreender o irmão que cometeu um pecado (cf. Mt 18,
15). O verbo usado para exprimir a correção fraterna – elenchein – é
o mesmo que indica a missão profética, própria dos cristãos, de denunciar uma
geração que se faz condescendente com o mal (cf. Ef 5, 11). A
tradição da Igreja enumera entre as obras espirituais de misericórdia a de
«corrigir os que erram». É importante recuperar esta dimensão do amor cristão. Não
devemos ficar calados diante do mal. Penso aqui na atitude daqueles cristãos
que preferem, por respeito humano ou mera comodidade, adequar-se à mentalidade
comum em vez de alertar os próprios irmãos contra modos de pensar e agir que
contradizem a verdade e não seguem o caminho do bem. Entretanto a
advertência cristã nunca há de ser animada por espírito de condenação ou
censura; é sempre movida pelo amor e a misericórdia e brota duma verdadeira
solicitude pelo bem do irmão. Diz o apóstolo Paulo: «Se porventura um
homem for surpreendido nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi essa
pessoa com espírito de mansidão, e tu olha para ti próprio, não estejas também
tu a ser tentado» (Gl 6, 1). Neste nosso mundo impregnado de
individualismo, é necessário redescobrir a importância da correção fraterna,
para caminharmos juntos para a santidade. É que «sete vezes cai o justo» (Prov 24,
16) – diz a Escritura –, e todos nós somos frágeis e imperfeitos (cf. 1 Jo 1,
8). Por isso, é um grande serviço ajudar, e deixar-se ajudar, a ler com verdade
dentro de si mesmo, para melhorar a própria vida e seguir mais retamente o
caminho do Senhor. Há sempre necessidade de um olhar que ama e corrige,
que conhece e reconhece, que discerne e perdoa (cf. Lc 22, 61), como
fez, e faz, Deus com cada um de nós.