Iniciou-se, neste sábado, dia 25 de maio, o
Congresso Latino-Americano de Cuidados Paliativos. As conferências foram
dirigidas aos seminaristas e agentes pastorais de todo o Regional Leste 1
e tiveram lugar no auditório do subsolo da Catedral Metropolitana, na
Avenida Chile, Centro do Rio. O evento é uma realização da Pontifícia Academia
para a Vida (PAV) e Arquidiocese do Rio.
A abertura solene se deu com a Santa
Missa presidida pelo arcebispo, Cardeal Orani João Tempesta, concelebrada pelos
bispos auxiliares Dom Paulo Celso Dias do Nascimento, referencial da Pastoral da
Saúde arquidiocesana, e Dom Joel Portella Amado, referencial para as Pastorais
Sociais e presidente do congresso, além de diversos outros sacerdotes
presentes.
Na sessão de abertura das conferências, Dom
Orani acolheu o presidente da Academia Fides et Ratio - Fé e Razão - da
arquidiocese, padre Aníbal Gil Lopes, que é também membro da Pontifícia
Academia para a Vida e organizador do congresso; também presentes à mesa, o
pároco da Catedral e coordenador da pastoral arquidiocesana, Cônego Cláudio
Santos, e o vigário episcopal para a Caridade Social, Monsenhor Manuel
Manangão.
Cuidar, ainda que não venha
a cura
Ao abrir oficialmente o Congresso
Latino-Americano de Cuidados Paliativos, Dom Orani ressaltou o pioneirismo da
Arquidiocese do Rio nessa iniciativa, destacando que "há, hoje em
dia, uma cultura, em nossa sociedade, de se descartar as pessoas e de não
valorizá-las, quando elas já não podem mais contribuir financeiramente, como
se, a partir de então, elas deixassem de ser pessoas, para se tornarem tão somente
gastos. Por isso, falar de cuidados paliativos, significa falar de valorização
da vida humana em todas as suas dimensões. Daí que surgiu o anseio de se
iniciar um trabalho pastoral de cuidados paliativos, ampliando as ações da
Pastoral da Saúde", esclareceu o arcebispo.
E externou seu desejo de "que tanto a
dimensão pastoral quanto a científica estejam sempre mais bem preparadas e em
constante diálogo com os bispos, e nos ajudem a sermos Igreja ainda mais,
também como Igreja latinoamericana, sendo essa presença da Igreja Católica
junto aos que sofrem em nosso continente, para afirmar, em nome de Cristo, que
o cuidar tem valor em si, ainda que não venha a cura", declarou Dom Orani.
Entre os conferencistas convidados, estarão o
bispo auxiliar de La Plata, na Argentina, Dom Alberto Bochatey e o secretário
da PAV, Monsenhor Riccardo Mansueli, representando o Cardeal Vincenzo Paglia,
atual presidente da Pontifícia Academia para a Vida. O congresso tem
prosseguimento entre os dias 27 e 31, no Edifício São João Paulo II, na Glória.
"Estive doente: tu me
visitaste?"
Com o título "A ética do cuidado",
a primeira conferência tratou os aspectos éticos nos cuidados paliativos, e foi
ministrada pelo padre Aníbal Gil Lopes, que é médico e biofísico.
Numa abordagem absolutamente espontânea, que
muito agradou aos presentes, padre Aníbal explicou que "cuidados
paliativos são uma das linhas de atuação da PAV, incluindo o tema da ética e da
robótica. Hoje, várias funções são delegadas à máquina; e o ponto fulcral é
encontrar caminhos para, dentro da ética, responder à pergunta de Jesus:
'Estive doente: e tu, me visitaste?'", indagou padre Aníbal.
Partindo da noção de que toda forma de vida
é, antes de tudo, relação - já que células se unem e se comunicam, formando
sistemas que permitirão à comunicação propagar-se e chegar cada vez mais longe
- nesse sentido, o médico afirmou:
"Ética representa a boa comunicação, a
boa saúde da comunicação entre os sistemas, permitindo processos saudáveis e
harmoniosos de relacionamento. Dessa forma, é possível o 'paliar', isto é,
proteger o outro, respeitando sua intimidade e privacidade", disse.
Em termos de virtudes, ressaltou a humildade
como condição para "colocar-se a serviço do outro, fazendo-se igual, indo
até o outro, na condição em que ele está, preservando a integridade da pessoa,
não imbuindo-se de 'onipotência', mas respeitando a integridade e a natureza
daquilo que o outro é. Nos cuidados paliativos deve ocorrer um verdadeiro
encontro entre duas pessoas".
E concluiu, dizendo:
"A ética em cuidados paliativos reside
em que o cuidador deve ir ao encontro do sigilo e do íntimo do paciente, e isso
deve partir de uma experiência existencial que me leva a não querer fazer mal
ao outro. A partir disso, buscar crescer juntos, tendo presente que não se deve
cuidar da doença, mas da pessoa e da saúde dela. Remédios tornam-se obsoletos.
Uma fórmula suplanta a outra. A relação humana é de outra ordem, cuidar é
substantivo, é essencial, e isso somente Deus nos dá", finalizou.
Qualidade de vida e
qualidade de morte
A segunda conferência, já na tarde sábado,
teve como título "Cuidados Paliativos: o que significam? Aspectos
médicos", e foi ministrada pela diretora do Hospital do Câncer IV, do
Instituto Nacional de Câncer (INCA IV), Germana Hunes Grassi Gomes. Com larga
experiência na área de Medicina, com ênfase em Cuidados Paliativos, a doutora
Germana tratou o tema da morte, recordando que somos todos destinados à
finitude:
"Estamos, inevitavelmente, fadados a
morrer. Apesar disso, é possível oferecer condições para uma morte digna. Para
isso, deve se ter em conta que os cuidados paliativos devem ter início a partir
do diagnóstico (de irreversibilidade), no passado eram iniciados apenas já na
iminência da morte. Porém, à medida que a funcionalidade do paciente vai
diminuindo, os cuidados paliativos tornam-se mais prevalentes, mas necessários
para o alívio do sofrimento; e esses cuidados não acabam logo após a morte do
paciente; resta a família, cuida-se de uma unidade, isto é, paciente e família,
razão pela qual os cuidados paliativos devem ter início com o diagnóstico, para
que se estabeleça a relação com essa unidade familiar e, conhecendo-a bem,
poder oferecer aos familiares todo suporte, durante o processo terminal do
paciente, e, posteriormente, também durante o enlutamento", explicou a
médica.
Conhecer para paliar
A especialista chamou a atenção para o fato
de que "o outro é gerente do seu próprio corpo. Por isso, devemos ter
respeito pela sua autonomia, enquanto pessoa, bem como seus desejos; oferecer
condições para uma morte digna, com mínimo estresse e no local à escolha do
paciente, tendo em vista também a prevenção de problemas durante o luto e mesmo
situações traumáticas para família, após o falecimento", ressaltou Germana.
Ela recordou também que o serviço de cuidados
paliativos contempla a dor total, isto é, os diversos sofrimentos que acometem
o paciente, e são eles: a dor física; as dores sociais, que dizem respeito à
preocupação com a família, a casa, os bens e/ou benefícios a serem deixados aos
entes queridos; as dores emocionais, cujos sintomas são, em geral: ansiedade,
tristeza, medo (do desconhecido, isto é, da morte), depressão; e as dores
espirituais, que estão relacionadas ao sagrado - este podendo compreender ou
não a religiosidade - e as questões relacionadas à vida e à morte. Neste
sentido, a médica defendeu que "tão certo como é fundamental a qualidade
de vida, assim também, ao paciente sob cuidados paliativos, deve ser assegurada
a qualidade de morte, isto é, livre de sofrimento, de forma que os cuidados
oferecidos sejam compatíveis com seus valores e desejos; valores éticos, morais
e religiosos", pontuou.
A médica encerrou sua conferência,
emocionando-se, ao citar uma frase da pioneira em cuidados paliativos, a médica
britânica, Cicely Saunders: "O sofrimento humano só é intolerável quando
ninguém cuida".
O primeiro dia de Congresso Latino-Americano
de Cuidados Paliativos foi encerrado com a oração das Vésperas, na capela do
Santíssimo Sacramento, presidida pelo bispo auxiliar Dom Paulo Celso Dias do
Nascimento.
Foto
de capa: Fátima Lima