(parte 3)
2. «Uns
aos outros»: o dom da reciprocidade.
O
fato de sermos o «guarda» dos outros contrasta com uma mentalidade que,
reduzindo a vida unicamente à dimensão terrena, deixa de considerá-la na sua
perspectiva escatológica e aceita qualquer opção moral em nome da liberdade
individual. Uma sociedade como a atual pode tornar-se surda quer aos
sofrimentos físicos, quer às exigências espirituais e morais da vida. Não deve
ser assim na comunidade cristã! O apóstolo Paulo convida a procurar o que «leva
à paz e à edificação mútua» (Rm 14, 19), favorecendo o «próximo no bem, em
ordem à construção da comunidade» (Rm 15, 2), sem buscar «o próprio
interesse, mas o do maior número, a fim de que eles sejam salvos» (1 Cor 10,
33). Esta recíproca correção e exortação, em espírito de humildade e de amor,
deve fazer parte da vida da comunidade cristã.
Os
discípulos do Senhor, unidos a Cristo através da Eucaristia, vivem numa
comunhão que os liga uns aos outros como membros de um só corpo. Isto significa
que o outro me pertence: a sua vida, a sua salvação têm a ver com a minha vida
e a minha salvação. Tocamos aqui um elemento muito profundo da comunhão: a
nossa existência está ligada com a dos outros, quer no bem quer no mal; tanto o
pecado como as obras de amor possuem também uma dimensão social. Na
Igreja, corpo místico de Cristo, verifica-se esta reciprocidade: a comunidade
não cessa de fazer penitência e implorar perdão para os pecados dos seus
filhos, mas alegra-se contínua e jubilosamente também com os testemunhos de
virtude e de amor que nela se manifestam. Que «os membros tenham a mesma
solicitude uns para com os outros» (1 Cor 12, 25) – afirma São Paulo –,
porque somos um e o mesmo corpo. O amor pelos irmãos, do qual é expressão a
esmola – típica prática quaresmal, juntamente com a oração e o jejum –
radica-se nesta pertença comum. Também com a preocupação concreta pelos mais
pobres, pode cada cristão expressar a sua participação no único corpo que é a
Igreja. E é também atenção aos outros na reciprocidade saber reconhecer o bem
que o Senhor faz neles e agradecer com eles pelos prodígios da graça que Deus,
bom e onipotente, continua a realizar nos seus filhos. Quando um cristão
vislumbra no outro a ação do Espírito Santo, não pode deixar de se alegrar e
dar glória ao Pai celeste (cf. Mt 5, 16).