Por Dom Orani João
Tempesta
Iniciamos nossa caminhada para a Páscoa! Refazemos o
caminho do Êxodo em 40 dias de jejum, esmola, oração, penitência. Queremos
renovar nossa vida cristã passando novamente pelo mar vermelho das promessas batismais
e da nossa unidade com o Deus da aliança, tornando presente o acontecimento do
Monte Sinai.
É um tempo especial para nós, católicos, quando a
liturgia, sóbria e simples, nos enfoca o essencial de nossa vida cristã e nos
conduz para uma sincera abertura para a graça de Deus, chamando-nos à conversão
visibilizada no sacramento da Penitência. As celebrações penitenciais que se
multiplicam pela Arquidiocese são para nós a oportunidade que devemos
aproveitar e acolher como um grande dom de Deus para a experiência de Sua
misericórdia e renovação de nossas vidas.
A Igreja nos convida a viver o tempo da Quaresma!
Infelizmente, a sociedade, com sua realidade plural, não se importa com este
tempo, muito mais preocupada está com os resultados dos desfiles carnavalescos
e a procura de vender mais chocolates por ocasião da Páscoa. Todos os anos, ao
início deste tempo, somos convidados ao jejum e à abstinência de carne.
Assim, já na Quarta-feira de Cinzas surge em meio aos cristãos acostumados às
muitas celebrações a pergunta: “qual o significado da Quaresma?”
Para responder a essa questão, devemos olhar para o
nosso dia-a-dia e perceber que todas as vezes que as pessoas estão diante de
algo importante para suas vidas lançam-se freneticamente numa preparação para
conseguir o objetivo desejado. Jovens enfrentam os muitos “cursinhos” para
passar no vestibular; outros se empenham nas aulas de direção para conseguir a
tão sonhada carteira de motorista. Aprender nova língua para conseguir um bom
emprego; Esmerar-se nos estudos para conseguir a vaga em entidades públicas ou
uma grande empresa. Ou seja, para algo especial, preparação radical.
A Páscoa é a celebração máxima da vida do
cristianismo, expressão mais profunda do nosso relacionamento com Deus; por
isso, a Igreja como “Mãe e Mestra” nos convida a uma preparação especial de
quarenta dias – o tempo da Quaresma. Aqui no Brasil, somos questionados a cada
ano diante de assuntos importantes para a vida cristã e para a nossa sociedade.
Neste ano é sobre a juventude. É óbvio que no ano em que o Brasil recebe aqui
no Rio de Janeiro a Jornada Mundial da Juventude, o tema também fosse o mesmo
aprofundado do lado social e dos compromissos do protagonismo juvenil na
transformação da sociedade.
Neste tempo propício de oração, jejum e caridade,
devemos rever nossas atitudes diante de Deus, do próximo e de nós mesmos. É um
convite à oportunidade de estar plena e conscientemente diante de Deus, para
receber d’Ele a vida nova, trazida na Páscoa.
O espaço de tempo de quarenta dias tem sua
fundamentação na Sagrada Escritura. Os números têm um simbolismo muito grande
nos dois Testamentos. Vemos a duração da Quaresma baseada no símbolo deste
número na Bíblia. Quarenta dias e quarenta noites é o tempo de duração do
dilúvio (Gen. 7,12), aqui Deus dá uma nova oportunidade de vida e regeneração
aos que se salvaram seguindo os seus mandamentos; Quarenta anos foi o tempo da
peregrinação do povo judeu pelo deserto (Dt 1-3), errante, sofrido e ao mesmo
tempo pleno de esperança, marca definitiva de todo cristão. Quarenta dias
Moisés e Elias estiveram na montanha (Ex. 24,18) e ainda quarenta dias que
Jesus passou no deserto (Lc 4,2) antes de começar a sua vida pública, fazendo
jejum e ali sendo tentado por Satanás. Aliás, esse é o episódio que abre a
Quaresma no primeiro domingo, cada ano em uma das versões dos evangelhos
sinóticos.
Percebemos na história bíblica o tempo de quarenta
dias para uma preparação de algo que viria logo a seguir, sendo considerado
como muito importante. Somos ajudados também pelos acontecimentos do mundo
atual, quando vemos ao redor a violência, o egoísmo, a intolerância, o
relativismo, a manipulação do ser humano como “coisa”, a desunião da família e
a contestação dos valores da vida e do ser humano colocados diante de nós a
cada instante pelas várias circunstâncias culturais e sociais. Por outro lado,
temos exemplos belíssimos de sinais de desapego, de amor ao próximo, de serviço
à Igreja, como nos deu o nosso beatíssimo padre o Papa Bento XVI, que marcou a
conclusão de seu pontificado para o próximo dia 28 de fevereiro, demonstrando a
grandeza de seu espírito. Ele continuará servindo à Igreja e à humanidade com
uma vida de oração e silêncio no Mosteiro situado no Vaticano.
Com todo o sentido espiritual, litúrgico, social,
cultural e dos acontecimentos atuais, a Quaresma deste ano nos traz, portanto,
a oportunidade magnifica de mudança. Mudança de rumo, de perspectivas, enfim,
de vida. Se todos os anos esse apelo é marcante, este ano muito mais: agora é o
tempo favorável que temos para empreender ainda mais como cristãos o nosso
empenho nessa abertura à ação da graça, vivenciando a beleza da escolha que o
Senhor fez de cada um de nós para sermos seu povo e seu rebanho.
O seu significado mais profundo vai depender de cada
coração. Como estamos acolhendo este tempo penitencial? Tem ele nos trazido
novas moções do Espírito? E nós as temos aceitado? Como se trata de um tempo
penitencial, ainda caberia uma pergunta ao nosso coração. Minha consciência
aprova tudo o que faço, ou às vezes deixo de fazer, correndo o risco de
omitir-me diante da verdade?
É o tempo da oportunidade que Deus mais uma vez se
dispõe a nos presentear para estarmos na sua presença. Que as atitudes externas
deste tempo correspondam a um coração contrito e arrependido, que busca
configurar-se a Cristo em suas atitudes concretas no relacionamento
com Deus e com os irmãos. É a proposta anual da Igreja que chama seus
filhos a viverem com coerência a vida segundo o Evangelho no seguimento de
Cristo hoje.
O período quaresmal, em que a Liturgia da Igreja
apresenta à nossa reflexão os grandes mistérios da salvação, seja vivido por
nós todos em atitude de penitência e de sacrifício, para nos prepararmos
dignamente para o encontro pascal com Cristo. Vivei sempre animados pelo ideal
altíssimo proclamado por Jesus: O meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos
outros, como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua
vida pelos seus amigos (Jo 15, 12-13).
Portanto, a Quaresma vai significar para cada coração
que crê a grande oportunidade da sua vida. Estar na presença de Deus e d’Ele
receber vida, e vida em abundância (Jo 10,10).
† Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ