O Concílio Vaticano II, na Constituição Dogmática “Dei Verbum”, quando
trata do lugar da Sagrada Escritura na vida da Igreja, “exorta, de maneira
insistente e particular, todos os fiéis a que aprendam ‘a eminente ciência de
Jesus Cristo’, com a leitura freqüente das divinas Escrituras” (DV, nº 25). E,
mais à frente, o texto diz: “Lembrem-se, porém, que a oração deve acompanhar a
leitura da Sagrada Escritura, para que haja colóquio entre Deus e o homem; pois
com Ele falamos quando rezamos, e a Ele ouvimos quando lemos os divinos
Escritos” (cf. Santo Agostinho). Esta Leitura Orante pedida pelo Concílio
corresponde ao resgate da oração da tradição da Igreja. Vejamos em que consiste
tal prática.
Jesus e a Leitura Orante
Segundo
o Compêndio do Catecismo, pergunta 541, Jesus aprendeu a rezar com sua mãe e
com a tradição hebraica. Ora, a oração judaica é marcada pela presença da
leitura do texto sagrado: seja da meditação da lei e dos profetas, seja da
recitação dos salmos. De fato, na vida de Jesus, narrada pelos evangelhos, vemos
como era presente as passagens do Antigo Testamento, e só Ele podia, com
autoridade, dizer: “Era preciso que se cumprisse tudo o que foi escrito sobre
mim na lei de Moisés, nos profetas e nos salmos” (Lc 24,44-45). Jesus, na sua
oração íntima de Filho amado de Deus, discerniu, a partir das Escrituras, o
mistério de sua identidade e de sua missão.
A Igreja nascente e a Leitura Orante
O
Novo Testamento foi gerado ao longo da segunda metade do século I. Ele, por si
só, já testemunha como, para a Igreja nascente, era importante na sua vida de
oração a presença da Sagrada Escritura e a leitura dela a partir de Cristo. A
Igreja se unia em oração e meditava as letras sagradas, vendo nelas as
promessas de Deus, as suas realizações em Cristo e o seu prolongamento na vida
eclesial. O Catecismo da Igreja Católica (CIC), nº 2.624, afirma que “as orações
são, sobretudo, as que os fiéis ouvem e lêem nas Escrituras, atualizadas, porém,
principalmente, as dos salmos, a partir de sua realização em Cristo”. Realmente,
o “livro dos salmos”, dentre os do Antigo Testamento, é o mais citado no Novo,
revelando uma comunidade orante.
Os padres e a Leitura Orante
A
Tradição da Igreja vai inspirada na própria Escritura, recolher e propor a
leitura orante como Oração da Igreja. É inegável que uma das características da
Teologia dos Padres é o contato com a Bíblia. São Jerônimo vai dizer: “como
seria possível viver sem o conhecimento das Escrituras, se é por ela que se
aprende a conhecer o próprio Cristo, que é a vida dos crentes?”. É abundante na
literatura dos padres e doutores comentários aos livros da Sagrada Escritura,
comentários formados a partir da oração para alimentar a fé daqueles que os
ouviam ou liam seus escritos.
Os passos da Leitura Orante
O
método da leitura orante das Escrituras possui quatro passos fundamentais: a
leitura (lectio), a meditação (meditatio); a oração (oratio); e, a contemplação
(contemplatio). A leitura é aquele passo no qual perguntamos “o que diz o texto
bíblico em si?”. É indispensável buscar conhecer o sentido literal do texto. Em
que livro se encontra o texto? Em que parte do livro? Quem escreveu? Em que
contexto? Sobre o quê se trata? Quem são os personagens envolvidos? Seus atos e
falas? No segundo passo, a meditação, nos perguntamos “o que o texto bíblico
diz para nós?”. É Deus que nos fala através do texto e ilumina nossa vida,
possibilitando um discernimento sobre ela a luz de Cristo. O terceiro passo é a
oração. Somente depois de acolhermos o que Deus nos diz pela Escritura é que
nos voltamos para “dizer a Ele o que o texto nos inspira”. Este ato de falar é
uma resposta dada a sua palavra e pode se manifestar como um pedido, uma
intercessão, uma ação de graças e/ou um louvor. O último passo é a contemplação
na qual, no silêncio do coração, somos chamados a olhar a nossa realidade e a
do mundo a partir do dom de Deus.
A Leitura Orante e a Liturgia
A
oração por excelência da Igreja, e o lugar privilegiado para a escuta da
Palavra de Deus é a Liturgia. Por conseguinte, na liturgia da palavra da
Eucaristia e dos outros sacramentos e sacramentais, bem como na Liturgia das
Horas, se apresenta a estrutura de escuta e de resposta. Manifesta, assim, o
caráter eclesial, pois é o povo de Deus convocado e reunido em assembleia, que
recebe uma palavra e é vocacionado à respondê-la. A leitura orante do fiel
entra dentro desta moldura maior que é a celebração e a vida da Igreja. Seguindo
o ritmo do Ano Litúrgico, com seus diferentes tempos, o cristão entra em comunhão
com o mistério pascal de Cristo, presentificando-o e atualizando-o em sua própria
vida a partir da celebração litúrgica e do prolongamento dela na sua vida de
oração.
Para aprofundar
Para
saber mais sobre o assunto, conferir os parágrafos do Catecismo da Igreja Católica
(CIC), nºs 133, 1177, 2653 e 2708; o Compêndio do Catecismo, da pergunta 541 até
a 577; o Youcat, a pergunta 502; e, a Constituição Dogmática Dei Verbum, nº 25.
Pe. Vitor Gino Finelon
Professor das Escolas de Fé e Catequese Mater Ecclesiae e
Luz e Vida