Cardeal
Orani João Tempesta
Arcebispo
do Rio de Janeiro
Com o Advento iniciamos um novo ano
litúrgico, quando começamos as leituras dominicais do ano B, em que
privilegiamos o Evangelho de São Marcos. É tempo de preparação para a
Solenidade do Natal (primeira vinda do Senhor) e da expectativa da segunda
vinda do Cristo no fim dos tempos.
Celebrar a liturgia é uma oportunidade de
aprofundar a fé e caminhar com esperança no futuro, vivendo a caridade. A nossa
arquidiocese viveu a Festa da Unidade na véspera de Cristo Rei, e comemorou o
último dia do ano litúrgico com o show “Rio em Comunhão”, que teve a
apresentação de músicos católicos do Rio de Janeiro. Oportunidade de estarmos
unidos na missão evangelizadora.
Desde o Domingo de Cristo Rei vivemos a
Campanha pela Evangelização, que vai culminar com a coleta no Terceiro Domingo
do Advento.
A
coroa do Advento é uma das características deste tempo: a cada semana acendemos
uma das quatro velas, preparando-nos para a celebração do mistério da
encarnação: Ele veio, virá e vem!
A liturgia vai se delineando no passar dos
séculos tanto no Oriente como no Ocidente. Temos uma grande e rica experiência
que nos foi transmitida e que necessitamos atualizar. É necessário distinguir
elementos que dizem respeito a práticas ascéticas e a outras, de caráter
estritamente litúrgico; um Advento que é preparação para o Natal, e um Advento
que celebra a vinda gloriosa de Cristo (Advento escatológico). Um testemunho
antigo encontra-se em uma passagem de Santo Hilário (por volta de 366), que
diz: “Sancta Mater Ecclesia Salvatoris adventos annuo recursu per trium
septimanarum sacretum spatium sivi indicavit” (CSEL, 65,16). “A santa mãe
Igreja oferece um espaço sagrado de três semanas por ano para a vinda do
Salvador”.
O duplo caráter do Advento, que celebra a
espera do Salvador na glória e a Sua vinda na carne, emerge das leituras
bíblicas festivas. O primeiro domingo orienta para a parusia final. O segundo e
o terceiro chamam a atenção para a vinda cotidiana do Senhor; o quarto domingo
prepara-nos para a natividade de Cristo, ao mesmo tempo fazendo dela a teologia
e a história. Portanto, a liturgia contempla ambas as vindas de Cristo, em
íntima relação entre si.
A partir do dia 17 de dezembro iremos viver a
preparação próxima do Natal, com sua liturgia própria e com as famosas
antífonas em “Ó” que contemplam Nossa Senhora da Expectação como Nossa Senhora
do Ó.
Toda a liturgia do Advento é apelo para se
viver alguns comportamentos essenciais do cristão: a expectativa vigilante e
alegre, a esperança, a conversão, a pobreza. A expectativa vigilante e alegre
caracteriza sempre o cristão e a Igreja, porque o Deus da revelação é o Deus da
promessa, que manifestou em Cristo toda a sua fidelidade ao homem: “Todas as
promessas de Deus encontram nele seu sim” (2 Cor 1,20). A esperança da Igreja é
a mesma esperança de Israel, mas já realizada em Cristo.
Os nossos primeiros irmãos na fé, como atesta
a “Didaqué”, imploravam: “Que o Senhor venha e passe a figura deste mundo.
Maranatha. Amém”. Assim termina o livro do Apocalipse e toda a escritura: “Aquele
que atesta essas coisas diz: Sim! Venho muito em breve. Amém! Vem, Senhor
Jesus. A graça do Senhor Jesus esteja com todos. Amém” (Ap 22,20). A
expectativa vigilante é acompanhada sempre pelo convite à alegria. O Advento é
tempo de expectativa alegre, porque aquilo que se espera certamente acontecerá.
Deus é fiel. A vinda do Salvador cria um clima de alegria que a liturgia do
Advento não só relembra, mas quer que seja vivida. O Batista, diante de Cristo
presente em Maria, salta de alegria no seio da mãe. O nascimento de Jesus é uma
festa alegre para os anjos e para os homens que Ele vem salvar (Lc 1, 44.46-47;
2, 10.13-14).
No Advento, toda a Igreja vive a sua grande
esperança. O Deus da revelação tem um nome: “Deus da esperança” (Rm15,13). Não
é o único nome do Deus vivo, mas é um nome que O identifica como “Deus para
conosco”. O Advento é o tempo da grande educação à esperança: uma esperança
forte e paciente; uma esperança que aceita a hora da provação, da perseguição e
da lentidão no desenvolvimento do Reino; uma esperança que confia no Senhor e
liberta das impaciências subjetivistas e do frenesi do futuro programado pelo
homem.
Na convocação ao testemunho da esperança, a
Igreja, no Advento, é confortada pela figura de Maria, a mãe de Jesus. Ela, que
“no Céu, glorificada em corpo e alma, é a imagem e a primícia da Igreja, brilha
também na Terra como sinal de segura esperança e de consolação para o povo de
Deus a caminho, até que chegue o Dia do Senhor” (2 Pd 3,10).
Advento, tempo de conversão, como espera do
Redentor! Não existe possibilidade de esperança e de alegria sem retornar ao
Senhor de todo coração, na expectativa da Sua volta. A vigilância requer luta
contra o torpor e a negligência; requer prontidão e, portanto, desapego dos
prazeres e bens terrenos. O cristão, convertido a Deus, é filho da luz e, por
isso, permanecerá acordado e resistirá às trevas, símbolo do mal, pois do
contrário corre o risco de ser surpreendido pela parusia. Nesse tempo, em
nossas paróquias temos a oportunidade de fazer os mutirões de confissões,
quando sacerdotes de uma mesma região atendem as confissões dos paroquianos de
uma determinada paróquia em um dia da semana. Tempo de celebrar a conversão e o
retorno a Deus através do Sacramento da Penitência.
O comportamento de vigilante espera na
alegria e na esperança, exige sobriedade, isto é, renúncia aos excessos e a
tudo aquilo que possa desviar-nos da espera do Senhor. A pregação do Batista,
que ressoa no texto do Evangelho do Segundo Domingo do Advento, é apelo para a
conversão, a fim de preparar os caminhos do Senhor. O espírito de conversão,
próprio do Advento, possui tonalidades diferentes daquelas relembradas na
Quaresma. A substância é essencialmente a mesma, mas enquanto a Quaresma é
marcada pela austeridade da reparação do pecado, o Advento é marcado pela
alegria da vinda do Senhor.
Enfim, um comportamento que caracteriza a
espiritualidade do Advento é o do pobre. Não apenas o pobre em sentido
econômico, mas também o pobre entendido em sentido bíblico: aquele que confia em
Deus e apoia-se totalmente nele. Estes anawîm, como os chama a Bíblia, são os
mansos e humildes, porque as suas disposições fundamentais são a humildade, o
temor de Deus, a fé.
Eles são objetos do amor benévolo de Deus e
constituem as primícias do “povo humilde” (Sf 3,12) e da “Igreja dos pobres”
que o Messias reunirá. Jesus proclamará felizes os pobres e neles reconhecerá
os herdeiros privilegiados do Reino; Ele mesmo será pobre. Belém, Nazaré, mas,
sobretudo, a Cruz: são diversas formas com que Cristo manifestava-se como
autêntico “pobre do Senhor”. Maria emerge como modelo dos pobres do Senhor, que
esperam as promessas de Deus, confiam n’Ele e estão disponíveis, com plena
docilidade, à atuação do plano de Deus.
Vivamos com abertura de coração este tempo
privilegiado, e manifestemos nossa fé com coragem, simplicidade e alegria.
Eis que o Senhor veio, virá e vem!