D.
Orani João Tempesta
Cardeal
Arcebispo do Rio de Janeiro
Terminado o tempo pascal com a Solenidade de
Pentecostes, a liturgia celebra a Santíssima Trindade. Após proclamar nos
santos mistérios que o Pai entregou o Filho por amor ao mundo na potência do
Espírito Santo e, no mesmo Espírito Eterno, o ressuscitou dos mortos para nossa
salvação, a solenidade de agora é um modo que a Igreja encontra para louvar,
engrandecer e adorar na proclamação exultante o amor sem fim da Trindade Santa.
Depois de ter celebrado os mistérios da
Salvação, desde o nascimento de Cristo (Natal) até a vinda do Espírito Santo
(Pentecostes), a liturgia propõe-nos o mistério central de nossa fé: a
Santíssima Trindade. Toda a vida da Igreja está impregnada pelo Mistério da
Santíssima Trindade. E quando falamos aqui de mistério, não pensemos no
incompreensível, mas na realidade mais profunda que atinge o núcleo do nosso
ser e do nosso agir.
Mas é Cristo quem nos revela a intimidade do
mistério trinitário e o convite para que participemos dele. “Ninguém conhece o
Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt, 11, 27). Ele
revelou-nos também a existência do Espírito Santo junto com o Pai e enviou-o à
Igreja para que a santificasse até o fim dos tempos; e revelou-nos a
perfeitíssima unidade de vida entre as pessoas divinas (Jo16, 12-15).
O mistério da Santíssima Trindade é o ponto
de partida de toda a verdade revelada e a fonte de que procede a vida
sobrenatural e para a qual nos encaminhamos: somos filhos do Pai, irmãos e
co-herdeiros do Filho, santificados continuamente pelo Espírito Santo para nos
assemelharmos cada vez mais a Cristo.
Por ser o mistério central da vida da Igreja,
a Santíssima Trindade é continuamente invocada em toda a liturgia. Fomos batizados
em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, e em seu nome perdoam-se os
pecados; ao começarmos e ao terminarmos muitas orações, dirigimo-nos ao Pai,
por mediação de Jesus Cristo, na unidade do Espírito Santo. Muitas vezes ao
longo do dia, nós cristãos repetimos: Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito
Santo.
No entanto, caríssimos, contemplando Jesus
ressuscitado, todo glorificado, todo divinizado na sua natureza humana por obra
do Espírito de Deus, nós proclamamos com o Novo Testamento e todas as gerações
cristãs, que o nosso Salvador, o nosso Jesus amado, é Deus bendito pelos
séculos, enviado pelo Pai, que é Deus, para nossa salvação; enviado na potência
do Espírito que é também divino e divinizante, Paráclito que não é algo de
Deus, mas alguém de Deus, uma pessoa, na qual o Pai ressuscitou o Filho Jesus
e, habitando em nós, dá testemunho da divindade do Pai e do Filho, enche-nos de
vida divina, guia-nos, sustenta-nos, ilumina-nos.
Recordemos o que diz o apóstolo: “O
próprio Espírito se une ao nosso espírito para nos atestar que somos filhos de
Deus. E, se somos filhos, somos também herdeiros de Deus e co-herdeiros de
Cristo”... Então, eis a nossa fé, que transborda a humana lógica,
transcende o balbuciar de nossa pobre linguagem, ultrapassa nossos limitados e
tateantes paradigmas: Deus é um só, absolutamente. Enquanto a natureza humana,
apesar de genericamente uma só, se multiplica nos indivíduos humanos, a
natureza divina é absolutamente una, indivisível e imultiplicável, una não só
genérica, mas também numericamente; e, no entanto, essa natureza é, ao mesmo
tempo e perfeitamente Pai, Filho e Santo Espírito.
A natureza divina está todinha no Pai,
todinha no Filho e, ainda, todinha no Espírito Santo. A unidade em Deus é
incompreensível, absolutamente perfeita e eterna. Assim sendo, em Deus não há
três vontades iguais, mas uma só vontade; não há três poderes iguais, mas um só
poder, não três consciências iguais, mas uma só consciência. Mais uma vez: Deus
é absolutamente UM! E, no entanto, as três pessoas são absolutamente diversas:
só o Pai gera, só o Filho é gerado, só o Espírito é a própria geração; só o Pai
é o amante, só o Filho é o amado, só o Espírito é o amor.
Neste amor que circula de modo
eterno, perfeito e feliz, o Pai, eterno amante, tudo criou através do Filho,
eterno amado, na potência do Espírito Santo, eterno amor. E, por isso, o mundo
existe, as estrelas brilham, a vida brota e, sobretudo, nós existimos. Vimos do
Pai, pelo Filho, no Espírito; vivemos no Pai pelo Filho no Espírito; vamos para
o Pai, através do Filho no Espírito, Trindade Santa, nossa vida e plenitude
eterna. É assim que os cristãos confessam o seu Deus como eterno amor, amor
vivo e circulante que, gratuita e livremente, se derrama sobre o mundo e sobre
a nossa vida.
Por isso, podemos dizer que Deus é amor e,
quem não ama, não conhece a Deus! E toda esta vida divina, amados, nos é dada
desde o Batismo, quando fomos mergulhados no nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo; e cresce em nós a cada dia, nos sacramentos e na vida cristã,
preparando-nos para nosso destino eterno: plenos do Espírito, sermos totalmente
inseridos no Cristo e n’Ele configurados, para contemplar eternamente o Pai!