sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Vida e sociedade


D. Antonio Augusto Dias Duarte
Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro
A Semana Nacional da Vida, instituída pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil desde 2005, tem sido, ao longo desses anos, um momento muito positivo de reflexão sobre a vida nas suas diversas dimensões. Destacam-se, como ápice desses sete dias, as orações pela vida humana e as ações favoráveis ao seu valor sagrado.
No ano de 2016, o tema desta reflexão versa sobre “Vida e sociedade”, e mostra as luzes e as sombras presentes na atualidade cultural do mundo, facilitando ou dificultando o que se pensa e o que se quer fazer sobre a valorização, a promoção e a proclamação do profundo e rico bem social da vida.
Viver é próprio de todos os seres vivos. A vida vegetal, a vida animal e a vida humana são vivências, conforme a natureza de cada um dos seres pertencentes a esta categoria de bem inestimável e necessário para a humanidade. A sociedade, estruturada e organizada em torno de seres humanos, exige de cada um não apenas relações civilizadas entre si, mas também relações humanitárias com os demais seres vivos.
O “cuidado com a casa comum” foi a expressão mais insistente e prática na Encíclica “Laudato si”, do Papa Francisco. Nas suas páginas encontramos o segredo para integrar vida e sociedade, que é a via da ecologia integral. Nesta via, o Papa Francisco coloca a responsabilidade de cuidar da casa comum sobre os ombros do ser humano. Embora a vida humana tenha um valor sagrado e inviolável acima das demais vidas, cada homem e cada mulher devem reconhecer que um ser vivo, seja qual for, no reino vegetal ou animal, é uma manifestação do amor criador de Deus, diz a “Laudato si”.
A gestão ecológica, na atualidade, vai muito além dos limites puramente biológicos, e tornou-se um dos grandes temas de debate e de reflexões na sociedade moderna e pós-moderna. Os homens da ciência e os pensadores mais lúcidos no campo ecológico e antropológico têm advertido a sociedade civil e as Igrejas, bem como as diversas religiões, que o progresso tecnológico e as necessidades econômicas dos países em desenvolvimento não são eticamente neutros e devem ser orientados para o bem da “casa comum”.

Eles destacam, com toda razão, que a conquista da natureza pelo homem poderá culminar numa conquista destrutiva do homem pela natureza. A natureza, constituída pelos seres vivos, é sempre favorável à vida, enquanto que a sociedade, composta por homens e máquinas, parece que faz questão de violar as leis da natureza, faltando ao devido respeito pela vida, como se vê em muitos comportamentos humanos agressivos, contaminadores e destruidores do ecossistema.
O domínio confiado ao homem pelo Criador nunca foi um poder absoluto, nem tampouco lhe foi concedida a liberdade de usar e abusar da natureza tal como querida por Deus. Diante da vida presente na natureza vivente, cabe o respeito não somente às leis biológicas, mas, acima de tudo, às leis éticas, cuja violação nunca fica impune para a sociedade.
O tema “Vida e sociedade” desta Semana Nacional da Vida traz à tona como crescer e se aprofundar com um respeito contemplativo da integridade da obra criadora de Deus. O núcleo central do respeito contemplativo da vida é a consideração de que a vida humana não é apenas mais um elo na cadeia ecológica.
Qualquer vida merece esse olhar contemplativo, mas a vida de qualquer pessoa é um bem superior e, por isso mesmo, deve ser colocada muito acima dos determinismos biológicos presentes nos outros seres vivos. Só com este respeito contemplativo da vida humana pode-se esperar da sociedade atual um esforço de revisão do seu estilo de vida. Isto para que a vida na natureza seja realmente um valor inestimável, por ter sua origem em Deus, e que nem os programas políticos de governo nem as pesquisas científicas e os avanços tecnológicos neguem este valor sagrado da vida.
Neste esforço de revisão do estilo de vida, destacaria dois pontos importantes. O primeiro é a construção da civilização do amor à vida, a fim de que a vida humana, amada e respeitada, origine na sociedade movimentos mais positivos de preservação da natureza. Esta civilização amorosa constituirá um passo fundamental para a existência da ecologia integral. Com esta ecologia integral, a sociedade humana será então a favor da vida, para que a natureza possa ser também a favor da vida em sociedade.
O segundo ponto, que será certamente um ponto maduro da reflexão da Semana Nacional da Vida em 2016, refere-se aos valores verdadeiros reconhecidos em cada ser vivo. Todos e cada um dos seres vivos estão inseridos em uma hierarquia antropológica e axiológica, que revela a presença de um desnível valorativo entre o ser humano e os demais seres da natureza.
Os seres vivos não-humanos têm um valor instrumental relevante com respeito aos seres humanos, por estarem orientados, naturalmente, para a beneficência de cada pessoa, de modo que esta pode e deve servir-se, razoavelmente, dos seres vegetais e animais em favor da sua vida pessoal e da vida social. No entanto, cada planta e cada animal têm também um valor intrínseco por serem, pelo ato criador divino, uma parte valiosa da criação.
O homem e a mulher são os responsáveis para que na sociedade exista mais conservação e respeito no uso dos seres vivos não-humanos, e também para que o equilíbrio entre o valor instrumental e o valor intrínseco não se perca. Desta forma, eles jamais degradarão a dignidade do domínio conferido por Deus a cada um deles.
A mensagem presente no tema “Vida e sociedade” da Semana Nacional da Vida deste ano pode ser resumida na seguinte frase: não apenas a pessoa humana como indivíduo, mas a pessoa humana em sociedade, tem o dever e o direito de viver em um meio ecológico protegido e protetor da humanidade. Em poucas e sensatas palavras: quem não agride a vida, não é agredido pela vida.

Foto: Gustavo de Oliveira

Fonte: http://arqrio.org/formacao/detalhes/1457/vida-e-sociedade