D. Antonio Augusto Dias Duarte
Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro
A Semana Nacional da Vida, instituída pela
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil desde 2005, tem sido, ao longo desses
anos, um momento muito positivo de reflexão sobre a vida nas suas diversas
dimensões. Destacam-se, como ápice desses sete dias, as orações pela vida
humana e as ações favoráveis ao seu valor sagrado.
No ano de 2016, o tema desta reflexão versa
sobre “Vida e sociedade”, e mostra as luzes e as sombras presentes na
atualidade cultural do mundo, facilitando ou dificultando o que se pensa e o
que se quer fazer sobre a valorização, a promoção e a proclamação do profundo e
rico bem social da vida.
Viver é próprio de todos os seres vivos. A
vida vegetal, a vida animal e a vida humana são vivências, conforme a natureza
de cada um dos seres pertencentes a esta categoria de bem inestimável e
necessário para a humanidade. A sociedade, estruturada e organizada em torno de
seres humanos, exige de cada um não apenas relações civilizadas entre si, mas
também relações humanitárias com os demais seres vivos.
O “cuidado com a casa comum” foi a expressão
mais insistente e prática na Encíclica “Laudato si”, do Papa Francisco. Nas
suas páginas encontramos o segredo para integrar vida e sociedade, que é a via
da ecologia integral. Nesta via, o Papa Francisco coloca a responsabilidade de
cuidar da casa comum sobre os ombros do ser humano. Embora a vida humana tenha
um valor sagrado e inviolável acima das demais vidas, cada homem e cada mulher
devem reconhecer que um ser vivo, seja qual for, no reino vegetal ou animal, é
uma manifestação do amor criador de Deus, diz a “Laudato si”.
A gestão ecológica, na atualidade, vai muito
além dos limites puramente biológicos, e tornou-se um dos grandes temas de
debate e de reflexões na sociedade moderna e pós-moderna. Os homens da ciência
e os pensadores mais lúcidos no campo ecológico e antropológico têm advertido a
sociedade civil e as Igrejas, bem como as diversas religiões, que o progresso
tecnológico e as necessidades econômicas dos países em desenvolvimento não são
eticamente neutros e devem ser orientados para o bem da “casa comum”.
Eles destacam, com toda razão, que a
conquista da natureza pelo homem poderá culminar numa conquista destrutiva do
homem pela natureza. A natureza, constituída pelos seres vivos, é sempre
favorável à vida, enquanto que a sociedade, composta por homens e máquinas,
parece que faz questão de violar as leis da natureza, faltando ao devido
respeito pela vida, como se vê em muitos comportamentos humanos agressivos,
contaminadores e destruidores do ecossistema.
O domínio confiado ao homem pelo Criador
nunca foi um poder absoluto, nem tampouco lhe foi concedida a liberdade de usar
e abusar da natureza tal como querida por Deus. Diante da vida presente na
natureza vivente, cabe o respeito não somente às leis biológicas, mas, acima de
tudo, às leis éticas, cuja violação nunca fica impune para a sociedade.
O tema “Vida e sociedade” desta Semana
Nacional da Vida traz à tona como crescer e se aprofundar com um respeito
contemplativo da integridade da obra criadora de Deus. O núcleo central do
respeito contemplativo da vida é a consideração de que a vida humana não é
apenas mais um elo na cadeia ecológica.
Qualquer vida merece esse olhar
contemplativo, mas a vida de qualquer pessoa é um bem superior e, por isso
mesmo, deve ser colocada muito acima dos determinismos biológicos presentes nos
outros seres vivos. Só com este respeito contemplativo da vida humana pode-se
esperar da sociedade atual um esforço de revisão do seu estilo de vida. Isto
para que a vida na natureza seja realmente um valor inestimável, por ter sua
origem em Deus, e que nem os programas políticos de governo nem as pesquisas
científicas e os avanços tecnológicos neguem este valor sagrado da vida.
Neste esforço de revisão do estilo de vida,
destacaria dois pontos importantes. O primeiro é a construção da civilização do
amor à vida, a fim de que a vida humana, amada e respeitada, origine na
sociedade movimentos mais positivos de preservação da natureza. Esta
civilização amorosa constituirá um passo fundamental para a existência da
ecologia integral. Com esta ecologia integral, a sociedade humana será então a
favor da vida, para que a natureza possa ser também a favor da vida em
sociedade.
O segundo ponto, que será certamente um ponto
maduro da reflexão da Semana Nacional da Vida em 2016, refere-se aos valores
verdadeiros reconhecidos em cada ser vivo. Todos e cada um dos seres vivos
estão inseridos em uma hierarquia antropológica e axiológica, que revela a
presença de um desnível valorativo entre o ser humano e os demais seres da
natureza.
Os seres vivos não-humanos têm um valor
instrumental relevante com respeito aos seres humanos, por estarem orientados,
naturalmente, para a beneficência de cada pessoa, de modo que esta pode e deve
servir-se, razoavelmente, dos seres vegetais e animais em favor da sua vida
pessoal e da vida social. No entanto, cada planta e cada animal têm também um
valor intrínseco por serem, pelo ato criador divino, uma parte valiosa da
criação.
O homem e a mulher são os responsáveis para
que na sociedade exista mais conservação e respeito no uso dos seres vivos
não-humanos, e também para que o equilíbrio entre o valor instrumental e o
valor intrínseco não se perca. Desta forma, eles jamais degradarão a dignidade
do domínio conferido por Deus a cada um deles.
A mensagem presente no tema “Vida e sociedade”
da Semana Nacional da Vida deste ano pode ser resumida na seguinte frase: não
apenas a pessoa humana como indivíduo, mas a pessoa humana em sociedade, tem o
dever e o direito de viver em um meio ecológico protegido e protetor da
humanidade. Em poucas e sensatas palavras: quem não agride a vida, não é
agredido pela vida.
Foto: Gustavo de Oliveira
Fonte:
http://arqrio.org/formacao/detalhes/1457/vida-e-sociedade