Uma das importantes questões propostas pelo Concílio Vaticano II foi
sobre o método da Igreja de interpretar as Sagradas Escrituras. Podemos
encontrar no nº 12 da Constituição Dogmática “Dei Verbum” as indicações dos
padres conciliares para que se possa ler e interpretar o texto bíblico,
buscando seu sentido – aquilo que Deus quer falar para nós.
Deus é o autor das Escrituras
Acreditamos
que Deus, querendo transmitir uma palavra para seu povo, escolheu homens que
escreveram livros sob a ação do seu Espírito. Estes autores humanos, chamados
de hagiógrafos, usaram de suas próprias faculdades e capacidades e colocaram
por escrito tudo aquilo e só aquilo que Deus quis. Todavia, não podemos
conceber a inspiração bíblica aos moldes de uma espécie de “possessão”. Os hagiógrafos
escreveram os livros com uma mensagem para o seu tempo. Assim, dois níveis
devem ser buscados por quem interpreta as Escrituras: o que o hagiógrafo quis
dizer para aqueles seus primeiros leitores e o que Deus quis dizer. O objetivo
final é responder a segunda pergunta, mas isso não é possível sem se responder
a primeira.
A verdade bíblica
Como
a Bíblia tem como autor principal Deus e como coautores homens inspirados pelo
Espírito Santo, nos é lícito afirmar que ela está isenta de erros. Todavia,
quando comparamos certas afirmações da Escritura com os conhecimentos da ciência
percebemos certas discrepâncias. Como podemos explicar isto? A Bíblia é um
livro religioso que quer nos comunicar as verdades sobre Deus. Por isso, ela
está isenta de erro no tocante “à verdade que Deus em vista de nossa salvação
quis que fosse consignada nas Sagradas Escrituras”. A inerrância bíblica se
aplica a questões de fé (Quem é Deus) e não de ciência.
Como saber o que o hagiógrafo quis dizer?
Para
interpretar um texto bíblico, a primeira coisa que devemos nos perguntar é o
que o hagiógrafo quis dizer com aquele texto para os seus primeiros leitores,
sentido literal. Este trabalho requer um estudo profundo, realizado pelos
exegetas. Tal estudo se debruça sobre as condições histórico-culturais da
produção daquele texto. O trabalho destes exegetas gera uma série de recursos
que nos auxiliam na compreensão destas condições históricas, culturais e literárias:
comentários aos livros bíblicos e aos textos, mapas das áreas citadas e boas
traduções dos textos.
Como saber o que Deus quer nos dizer?
O
sentido mais importante é o sentido espiritual: o que Deus quer dizer através
daquele texto. Para responder tal questão, o leitor da Sagrada Escritura deve
procurar ajuda do Espírito Santo, o verdadeiro intérprete dela. Apenas
iluminado pela graça de Deus, o homem pode acessar os três sentidos espirituais
da Escritura: o sentido tipológico, o sentido moral e o sentido anagógico. O
sentido alegórico é aquela compreensão mais profunda dos acontecimentos,
reconhecendo a significação deles em Cristo: o cordeiro sacrificado na
celebração da Páscoa judaica é um tipo de Jesus, o cordeiro pascal que tira o
pecado do mundo. O sentido moral é aquele que ilumina as ações do homem,
mostrando qual o caminho que se deve seguir: o mandamento da caridade é
imperativo na vida do cristão. O sentido anagógico é aquele que nos faz
conhecer as coisas dentro da sua significação eterna: o sentido da criação do
homem é fazê-lo participar da vida eterna de Deus.
Os três critérios para uma reta interpretação
Para
se chegar ao sentido espiritual do texto, ele deve ser interpretado à luz de três
critérios? A unidade da Escritura; a Tradição da Igreja; e a analogia da fé. Um
texto não pode ser interpretado isoladamente dos outros textos da Escritura,
pois ela possui sua unidade no mistério pascal de Cristo. Todos os textos de
forma direta ou indireta apontam nesta direção. O Antigo Testamento se
relaciona com o Novo como profecia, como promessa, como esperança, e o Novo se
relaciona com o Antigo como cumprimento, realização e visão. Assim, o AT e o NT
possuem uma unidade que não pode ser quebrada ou desmerecida no ato de
interpretar. A Tradição, os Padres da Igreja, interpretou os textos e
transmitiu uma unidade de conhecimento sobre eles, que devem ser respeitados
como a memória viva das primeiras igrejas da fé cristã. O exegeta deve se fazer
continuador desta Tradição que acompanhará a Igreja até a vinda de Cristo. Além
disto, as verdades retiradas do Texto Sagrado devem estar intimamente ligadas,
correlacionadas e revelarem o projeto total da revelação divina.
Para aprofundar
Para
saber mais sobre o assunto, conferir os parágrafos 101-119 do Catecismo da
Igreja Católica (CIC); o Compêndio do Catecismo, perguntas 18 e 19; o Youcat,
da pergunta 14 a
16; a Constituição Dogmática “Dei Verbum”, capítulo III.
Pe. Vitor Gino Finelon
Professor das Escolas de Fé e Catequese Mater Ecclesiae e
Luz e Vida