A primeira Carta Encíclica do
pontificado do Papa Francisco se chama “Lumen Fidei (LF)”, que se destina a
todos os membros da Igreja: aos bispos, aos presbíteros, aos diáconos, às
pessoas consagradas e aos fiéis leigos. O Pontífice escreve sobre o tema da fé
e a sua relação com os homens de hoje. Notadamente, o documento se insere
dentro das iniciativas do Ano da Fé (cf. LF 5 e 6). Lançada no dia 29 de junho
deste ano, seu objetivo é contribuir para se “recuperar o caráter de luz que é
próprio da fé” (LF 4).
A Problemática
O
documento nos coloca a questão a ser enfrentada pela Igreja: “a fé acabou sendo
associada com a escuridão” (LF 3). Na introdução da Carta Encíclica, nos é
apresentado que nossa cultura é herdeira da compreensão moderna de que a fé
deve ceder espaço à razão: a primeira é encarada como desnecessária para os
nossos tempos (ateísmo e relativismo), pois impede o homem de cultivar a
segunda (racionalismo e cientificismo). Ou ainda, a fé pode até ser mantida,
mas numa perspectiva individual para explicar aquilo que a ciência não consegue
ainda ou para aquecer os corações e consolar as pessoas (fideísmo e
sentimentalismo). Segundo esta visão moderna, a fé não pode mais propor um
discurso sério para a sociedade hodierna. De fato, na nossa cultura, a fé tem
sido associada com uma visão ingênua do mundo (salto no vazio), que deve ser
superada por uma visão crítica. Como a Igreja, então, pode apresentar a fé como
experiência de iluminação do homem e da sociedade diante de um contexto que a
considera como um obscurecimento das potencialidades humanas e sociais?
Acreditamos no amor
O primeiro
capítulo apresenta uma tentativa de compreensão da fé cristã a partir da
Sagrada Escritura. Olhando a construção do texto vemos os seguintes passos
dados: a experiência de fé de Abraão, do povo de Israel, de Jesus e a da
Igreja. Em cada uma das partes vai se identificando as características e vendo
como elas preparam a etapa seguinte.
Em Abraão,
a fé é a resposta à palavra que Deus lhe dirigiu: “a fé é a resposta a uma
palavra que interpela pessoalmente, a um Tu que nos chama pelo nome” (LF 8). O
povo de Israel, na esteira da experiência de Abraão, compreende a fé como
correspondência à iniciativa gratuita de libertação e de condução realizadas
por Deus: “A confissão de fé de Israel desenrola-se como uma narração dos
benefícios de Deus, da sua ação para libertar e conduzir o povo; narração esta
que o povo transmite de geração em geração” (LF 12). A fé como resposta aparece
aqui com suas características: ela é dinâmica, histórica, progressiva,
vivencial e testemunhal.
O
documento apresenta a idolatria como o contrário da fé (cf. LF 13). O povo de
Israel, por muitas vezes, se sentiu tentado a trocar o Deus verdadeiro pelos
falsos deuses. Enquanto a fé é uma resposta dada a Deus, a idolatria “é um
pretexto para si colocar no centro da realidade; na adoração da obra das
próprias mãos” (LF 13). O homem idólatra não responde, mas cria um “deus” – uma
imagem de si mesmo, que satisfaça seus desejos. Seguir por esta vereda, na qual
o desejo humano é levado à categoria de divindade, é perder-se na
impossibilidade de dar um sentido verdadeiro a si e ao todo.
O conteúdo
da fé cristã é “a confissão de que Jesus é o Senhor e de que Deus o ressuscitou
dos mortos” (LF 15). As experiências de fé do AT preparavam “o lugar da
intervenção definitiva de Deus, a suprema manifestação de seu amor por nós” (LF
15). No mistério pascal de Cristo, em sua morte e ressurreição, se revela o
amor inabalável que Deus tem por nós. O Senhor Ressuscitado se torna a testemunha
fiel de que o Pai age na história, cumprindo suas promessas e conduzindo o
homem à salvação. Mais ainda, a própria salvação é “uma participação no modo de
ver de Jesus” (LF 19). “É aqui que se situa a ação própria do Espírito Santo: o
cristão pode ter os olhos de Jesus, os seus sentimentos, a sua predisposição
filial, porque é feito participante de seu amor, que é o Espírito; é neste amor
que se recebe, de algum modo, a visão própria de Jesus” (LF 21).
Se não acreditardes, não compreendereis
O segundo
capítulo da “Lumen Fidei” quer relacionar o tema da fé ao tema da verdade (LF
23–31). Partindo da análise de um versículo do livro do profeta Isaias (Is
7,9), se relaciona o significado hebraico e grego do termo “fé”. Enquanto na
língua semítica, este significa uma experiência de segurança na palavra dita
por Deus, na língua helênica está ligado ao conhecimento racional de algo. O
Pontífice afirma que a experiência de segurança está ligada a de conhecimento.
Por isso, a fé tem uma dimensão de conhecimento que não pode ser retirada. A
verdade presente no ato de fé permite à Igreja dialogar com todos aqueles que
estão em busca dela (LF 32–35) e possibilita o seu conhecimento: a teologia (LF
36). Esta última abre o fiel católico para entender, no que é possível, a ação
salvífica de Deus na história e, assim, ao diálogo com os outros cristãos
(ecumenismo), os religiosos (diálogo interreligioso) e os homens de boa vontade
(sociedade secular) para se aproximarem na prática do bem.
Pe. Vitor Gino Finelon
Professor das Escolas de Fé e
Catequese Mater Ecclesiae e Luz e Vida