Por D. Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro
Vivemos em
um mundo perverso e egoísta. As pessoas vivem o individualismo, se trancam em
seus quartos, como se as casas fossem apenas uma hospedaria, e não uma Igreja
doméstica, aonde as pessoas comungam as alegrias e as tristezas, as vitórias e
as derrotas, e que a Palavra de Deus é partilhada, refletida e vivida na
participação fraterna das refeições, dos encontros, dos aconselhamentos e das
partilhas.
Lembro-me
bem de um caríssimo irmão arcebispo, ilustre filho da cidade de São Sebastião
do Rio de Janeiro, que em breve veremos elevado à glória dos altares, que
sempre sorriso largo, indagava do seu interlocutor: “Como eu posso te ajudar?”.
Esta pergunta de Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida, SJ, falecido arcebispo de
Mariana (MG), e por dois quadriênios secretário-geral e presidente da CNBB, nos
introduz no cerne do que esta reflexão propõe: sejamos pessoas que ajudem o
outro. E a principal ajuda que podemos fazer, como batizados, ao nosso próximo
é falar bem das pessoas. Já diz um antigo adágio que “ninguém é tão ruim que
não tenha uma virtude a ser imitada e ninguém é tão santo que não tenha um
pecado a ser confessado”.
Um
confrade meu, Santo Aelred de Rievaulx, abade cisterciense inglês, que viveu de
1110 a
1175, nos deixou exemplos maravilhosos acerca de como viver a caridade fraterna
com o irmão. O santo abade ensinou que o amor e a amizade são a maior alegria
da vida, são o sinal mais evidente da presença de Deus neste mundo, são a
própria essência do mundo que há de vir. De fato, se é verdade que “Deus é
amor” (1Jo 4,8.16), todo verdadeiro amor mostra que Deus está presente.
Como Deus
é amor, quando Jesus diz que o seu jugo é suave está falando da caridade;
quando diz que seu peso é leve está falando do amor fraterno. Santo Aelred de
Rievaulx acha que o amor é não somente a nossa vocação, mas, também, o remédio
para curar nossa vontade doente e para restaurar em nós a imagem de Deus. Essa
imagem consiste em sermos uma pequena “trindade” criada, feita de 1) memória,
2) conhecimento e 3) amor/vontade. Mas para ele é na vontade que nasce a imagem
de Deus, é no amor que a restauramos e é na amizade que experimentamos o gosto
da bem-aventurança, ou felicidade eterna. Para explicar melhor, Aelred achava
que, por natureza (isto é, sem o pecado), os humanos sempre tinham Deus na
memória, sempre sabiam reconhecê-Lo em tudo e sempre o abraçavam no amor sem
precisar cobiçar mais nenhuma outra coisa.
Gostaria
de fazer uma proposta: o mais significativo na nossa vida cristã, o que
realmente conta, o que realmente é importante é que um amigo reze pelo outro. A
oração de um amigo é muito eficaz, porque sobe a Deus carregada de afeto e
muitas vezes reforçada pelas lágrimas, que podem ser provocadas pelo temor do
que possa estar acontecendo com o outro, simplesmente pelo bem querer ou mesmo
causadas pela dor. Como um amigo reza pelo outro a Jesus Cristo e deseja ser
ouvido por Jesus Cristo por causa do outro, acaba dirigindo ao próprio Jesus
Cristo seu amor e seu desejo. Então, muito depressa e sem a gente nem perceber,
está passando de um afeto para o outro, dando a sensação de que estamos tocando
de perto a doçura do próprio Cristo. O amigo começa a saborear como Jesus é
doce e a experimentar como Ele é suave (cf. Salmos 33 e 99).
Não falar
mal do irmão requer, sobretudo, um empenho fraterno que se supere ao amor de si
mesmo e que se dedique aos outros, favorecendo, assim, as autênticas e
profundas amizades, que ajudam uma vida afetiva completa. A amizade deve ser um
grande dom em quanto favorece o crescimento humano e espiritual. Jesus não
condenou nem a prostituta arrependida, uma pecadora pública, ao contrário pediu
que ela não pecasse mais.
É tão
difícil observar determinadas pessoas que gastam toda a energia de seu dia ou
da sua vida em apenas destruir a reputação do outro, que antes de tudo, é seu
irmão. E nestes tempos de internet, com as mídias sociais, essa facilidade é
muito maior.
O Santo
Padre Francisco ensinou que “Nosso Pai, como um Pai com seu Filho, nos ensina a
caminhar; nos ensina a adentrar a estrada da vida e da salvação. São as mãos de
Deus que nos acariciam nos momentos de dor, e nos confortam. E neste carinho,
muitas vezes, existe o perdão”.
O
Pontífice continuou lembrando que muitas vezes se ouvem pessoas dizendo: “me
entrego às mãos de Deus”, o que é bonito porque “lá estamos seguros, porque
nosso Pai nos quer bem, e suas mãos nos curam também das doenças espirituais”.
“Pensemos nas mãos de Jesus quando tocava os doentes e os curava. Ele nos
repreende quando é preciso, mas jamais nos fere. Ele é Pai e as almas dos
justos estão em suas mãos. Ele nos criou e nos deu a saúde eterna; Suas mãos
nos acompanham nos caminhos da vida. Confiemo-nos às mãos de Deus como uma
criança se entrega às mãos de seu pai. É uma mão segura!”.
Quem é de
Jesus, quem se entrega nas mãos de Deus canta e proclama as maravilhas de Deus
e sempre e tão somente, por amor, falará positiva e benignamente de seu irmão.
“Em que eu posso te ajudar?” Dê um abraço e um sorriso sincero sempre nos
outros e acolha a todos, porque este é o desejo de Jesus, que nos ajuda a viver
a autêntica caridade.