Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro
Estamos no mês de outubro, quando celebramos,
no dia 12, a solenidade de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, rainha e
padroeira do Brasil. Maria ocupa um lugar especial na história da Salvação e
por isso ela é digna de todo o respeito e veneração, pois Deus quis utilizar-se
de Maria de Nazaré para fazer com que seu Divino Filho chegasse até nós:
“Quando chegou à plenitude dos tempos, mandou o seu Filho, nascido de uma
mulher (...) para que recebêssemos a adoção de filhos” (Gl 4,4-5).
Constantemente, na história da salvação, Deus manifesta o seu amor de Pai junto
a seu povo. O amor é revelado por meio de uma eleição: uma jovem é separada
para que por meio dela o Filho de Deus pudesse assumir a humanidade decaída com
o pecado. Assim, como por meio de uma mulher (Eva) o pecado “entrou” no mundo,
Deus separa uma mulher para que por meio dela chegue a Salvação: dá-se uma nova
criação. Há um novo Adão e do seu lado é tirada a mulher, a nova Eva; um novo
povo é constituído.
Maria é a mulher do sim. O sim dado ao amor.
A obediência dada por amor. A entrega dada no amor. Dessa maneira, Maria tem
uma grande importância na história da salvação e na vida de muitos cristãos, e
sua figura é tradicionalmente reconhecida na Igreja Católica. Certamente, a
Virgem tem na Bíblia um lugar discreto. Ela aí é representada toda em função de
Cristo e não por si mesma. Mas sua importância consiste na estreiteza de seus
laços com Cristo. Maria está presente em todos os momentos de importância fundamental
na história da salvação: não somente no princípio (Lc 1-2) e no fim (Jo 19,27)
da vida de Cristo, mistérios da Encarnação e da morte redentora, mas na
inauguração de seu ministério (Jo 2) e no nascimento da Igreja (At 1,14).
Presença discreta na maior parte das vezes, silenciosa, animada pelo ideal de
uma fé pura e de um amor pronto a compreender e a servir aos desejos de Deus e
dos homens (Lc 1,38-39.46-56; Jo 2,3).
Durante o ano litúrgico, a Igreja celebra
organicamente todo o mistério de Cristo: desde a predestinação eterna em
virtude da qual Cristo, Verbo encarnado, foi constituído princípio e chefe,
termo e plenitude do gênero humano e de toda a criação, até a sua segunda vinda
gloriosa, quando todas as coisas serão completadas nele, “para que Deus nele”,
“para que Deus seja tudo em todos” (1Cor 15,28).
A Solenidade de Nossa Senhora Aparecida
recorda a proteção da Virgem Maria, sua presença materna e consoladora,
experimentada em 1773 por três pescadores, na aurora de nossa história
nacional. As redes vazias dos pobres quase se romperam pela abundância de
peixes após o “aparecimento” da imagem enegrecida da Imaculada Conceição. Desde
então, aquela pequena imagem recorda ao povo brasileiro a presença materna da
Mãe do Senhor na nossa história e na nossa terra. Sim, hoje a festa é nossa, do
povo brasileiro; hoje, por todo o território nacional, gente de todas as raças
que fazem esta nação canta com devota gratidão: “Viva a Mãe de Deus e nossa,
sem pecado, concebida! Viva a Virgem Imaculada, a Senhora Aparecida”!
Esta presença materna, carinhosa,
providente e atuante da Virgem Santíssima é ilustrada de modo admirável nas
leituras da Palavra de Deus que ouvimos na liturgia desta solenidade.
Primeiramente, a Virgem é evocada pela rainha Ester, que arriscou a vida para
salvar o seu povo da condenação à morte. Quem não se comove com o apelo da
Rainha? “Se ganhei as tuas boas graças, ó rei, e se for de teu agrado,
concede-me a vida – eis o meu pedido! – e a vida do meu povo – eis o meu desejo!”
Como tais palavras cabem na boca da Mãe do Senhor! Ela, perfeita e
completamente salva e redimida de todo pecado por pura graça de Deus; ela, a
agraciada! Mais que ninguém, ela pode cantar as palavras de Isaías, que o
Missal coloca no início da Eucaristia deste dia: “Com grande alegria
rejubilo-me no Senhor, e minha alma exultará no meu Deus, pois me revestiu de
justiça e salvação, como a noiva ornada de suas joias”. Maria Virgem,
totalmente agraciada, totalmente salva por Deus, não se esquece de nós, filhos
que o Filho lhe deu ao pé da cruz: “Salva a vida do meu povo – eis o meu
desejo!” Ela é a mulher do Apocalipse, em luta constante contra a
serpente, o antigo inimigo, que ameaça o povo de Deus; ela é a mulher que, em
Caná, intercede pelos esposos, ensina-nos a fazer o que o Filho disser e cuida
para que a água das nossas pobrezas e das nossas angústias seja transformada no
vinho da alegria, fruto da ação do Espírito do Cristo ressuscitado.
A festa de hoje recorda-nos a presença
constante de Nossa Senhora na vida da Igreja, na vida do povo brasileiro e na
vida de cada um de nós. Não poderia ser diferente! Foi o próprio Cristo quem
lhe deu essa missão materna em relação a nós, seus discípulos amados.
Recordemo-nos da cena dramática no Calvário, particularmente neste ano em que a
Novena de Aparecida, no Santuário Nacional, nos lembra os mistérios dolorosos
do Santo Rosário, com o tema: "Com a Mãe Aparecida, ser solidário na
dor". Jesus diz à sua Mãe, indicando o Discípulo Amado, que é cada um de
nós, cada cristão, católico ou não: “Mulher, eis o teu filho!”(Jo 19,26).
Não foi ela quem escolheu ser nossa Mãe. Não! Foi o Filho mesmo quem lhe deu a
missão: “Eis o teu filho, os teus filhos, Virgem Maria! Tu és a mulher do
Gênesis, inimiga da serpente; tu és a Mãe dos viventes, a verdadeira Eva!”
Fidelíssima à vontade do Senhor, como sempre foi, a Virgem vela por todos os
cristãos, até por aqueles que não lhe têm amor e veneração, chegando mesmo a
difamá-la! Mãe dos discípulos do Senhor Jesus, Mãe da Igreja, Virgem Maria! Foi
esta maternidade tão amorosa, fecunda e providente que o povo brasileiro
experimentou às margens do rio Paraíba do Sul, quando a imagem enegrecida da
Imaculada apareceu nas redes dos pescadores.
É esta maternidade que nós
experimentamos continuamente em nossa vida. Quem de nós não tem uma história
para contar a respeito da presença da Virgem no nosso caminho? “Filho, eis
a tua Mãe!” (Jo 19,27). Não fomos nós que escolhemos Maria por Mãe. Cristo
mesmo no-la deu como aconchego materno. Na Cruz, Ele olhou para o Discípulo
Amado, para cada um de nós, e deu-nos sua Mãe: “Filho, eis a tua Mãe!” Que
generosidade, a do Senhor: deu-nos tudo, seu corpo, seu sangue, sua vida...
deu-nos sua Mãe! Realmente, amou-nos até o fim (cf. Jo 13,1). Jesus olha para
todo cristão – católico ou não – e indica: “Eis a tua Mãe!” E o Evangelho diz
qual deve ser a atitude do discípulo ante um dom tão generoso, tão belo, tão
grande: “A partir daquele momento, o discípulo a levou para sua casa” (Jo
19,27). Todo discípulo de Cristo tem o dever de acolher o dom do Senhor, o
dever de levar a Mãe de Jesus – agora Mãe de cada cristão – para sua casa. Não
fazê-lo é desobedecer a um preceito expresso e claro do Senhor, é privar-se de
tão grande dom! Por isso, mil vezes tem razão o povo brasileiro em orgulhar-se
hoje de ter Maria por Mãe. Tem razão o nosso povo de tê-la proclamado rainha e
padroeira do Brasil!
Virgem
Mãe Aparecida, Mãe de Deus e nossa! Vela pelo povo brasileiro, acolhe nosso
brado filial!
Intercede com tua oração materna por nossos
governantes: que sejam retos, justos, servidores do bem comum, sobretudo dos
mais necessitados!
Sê consolo para quem chora, força para quem
se encontra alquebrado, inspiração e encorajamento para os pobres, saúde para
os enfermos e rosto maternal de Deus para todos nós! Vela pelas crianças,
mantém na harmonia as famílias de nossa pátria, vela pela paz no campo e nas
cidades!
Senhora Aparecida, protege a Santa Igreja em
terras brasileiras! Roga pelo clero, pelos religiosos, por todo o povo de Deus!
Abençoa os bispos que, daqui de Roma, participam do Sínodo para estudar
caminhos pastorais para os problemas familiares.
Ajuda-nos, Mãe de Deus-Jesus e Mãe nossa,
ajuda-nos a construir um Brasil mais cristão, mais justo, mais pacífico e
solidário, e que, pelas tuas preces maternas, jorre para nós o vinho bom da
alegria, e sejamos todos, um dia, herdeiros do Reino dos Céus. Amém!