Com o Primeiro Domingo do
Advento, tem início para nós um novo ano litúrgico. O Salmo 65, no seu
versículo 12, que tomamos como título deste texto, ilustra bem como Deus, na
sua graça, passa entre nós no círculo do ano litúrgico, coroando-o e
coroando-nos com sua bênção nas diversas celebrações que nos colocam em contato
com o mistério pascal de Cristo. Sendo assim, podemos em primeiro lugar
compreender que “... o ano litúrgico não é uma ideia, mas uma pessoa, Jesus
Cristo e o seu mistério realizado no tempo e que hoje a Igreja celebra
sacramentalmente como ‘memória’, ‘presença’, ‘profecia’.”¹
O homem primitivo, mais do que o moderno,
estava atento aos diversos ritmos do ano e, antes que Deus se revelasse na
história, pela luz natural da razão, o homem percebia algo de divino nesses
diversos ritmos do tempo. Assim, aos poucos, o homem foi sacralizando as
diversas “passagens” de Deus durante o ano, no ritmo cíclico das estações.
Presença de Deus na história
Quando Deus se revela a Israel, esse ritmo
não é rompido, mas é compreendido à luz da sua fé. Assim, o povo de Israel
tinha também um ritmo cíclico de celebrações litúrgicas que se repetiam cada
ano, tornando presente de forma cúltica as diversas passagens de Deus pela sua
história. Contudo, Israel entendeu que essa repetição, apesar de ser cíclica,
não era fechada e morta em si, mas aberta a futuras e novas intervenções de
Deus na história. Israel entendeu também que essas repetições tornavam presente
de forma misteriosa aqueles fatos que poderiam simplesmente ter ficado no
passado. Os cristãos herdaram do povo judeu a celebrar de forma memorial as
intervenções de Deus na história.
Páscoa de Cristo
O culto da Igreja surgiu para celebrar a
Páscoa de Cristo. Os primeiros cristãos não possuíam um “ano litúrgico”
propriamente dito. A vida dos primeiros cristãos tinha como centro a Páscoa,
celebrada semanalmente no “domingo” e também anualmente no “Grande Domingo”.
Depois outras celebrações vão sendo assimiladas e o mistério pascal de Cristo
passa a ser celebrado não somente de forma “concentrada” na Páscoa, mas em cada
uma de suas facetas (sem deixar de estar inteiro em cada uma delas) no decorrer
do ano.
Mistério pascal de Cristo
A razão para que se constituísse pouco a
pouco o ano litúrgico como nós o conhecemos foi pedagógica e teológica:
pedagógica, porque não podemos apreender todas as dimensões do mistério pascal
de Cristo em uma única celebração; teológica, porque na verdade o mistério
pascal de Cristo é amplo (vai da criação à Parusia), e cada uma das suas etapas
se reveste de singular importância, ainda que esteja em relação ao todo.
Assim, aos poucos, vão surgindo os chamados
“tempos litúrgicos” e as “festas”: a Páscoa logo se desenvolve num Tríduo e
depois passa a se desdobrar em 50 dias (o santo Pentecostes); para preparar
melhor a iniciação cristã que era realizada na Páscoa e também os penitentes
que eram reconciliados na quinta-feira santa surgiu a Quaresma; surgem, também,
as celebrações dos mártires, aqueles que tornaram viva a Páscoa de Cristo no
seu testemunho; o culto da Virgem Maria; o Natal (sobretudo a partir do século
4 para combater a festa pagã do chamado “sol invicto”, mostrando que Jesus é o
verdadeiro “Sol” que nasceu do alto); o Advento, para preparar o Natal, e
também chamado “Tempo Comum” ou “Tempo Durante o Ano”.
Ano litúrgico
Assim se formou o ano litúrgico como temos
hoje: iniciamos no Advento (marcado pela cor roxa), passamos depois ao Natal e
a Epifania (dourado ou branco – sentido festivo), seguimos pelo Tempo Comum
(Cor verde) até a Quaresma (roxo – sinal de penitência), depois desta última
entramos no Grande Período Pascal (dourado ou branco – sentido festivo), que
termina com a Solenidade de Pentecostes (vermelho – Espírito Santo), e depois
voltamos ao Tempo Comum, que dura até a Festa de Cristo Rei, que coroa todo o
ano litúrgico. As festas dos mártires, dos santos e da Virgem Maria são
celebradas no decorrer de todo o ano litúrgico. Em cada um destes “mistérios”
é, na verdade, o único Mistério Pascal de Cristo que está sendo celebrado.
Ciclo trienal
Depois do Concílio Vaticano II, os
Lecionários utilizados para a celebração da Santa Missa foram constituídos
levando-se em conta o desejo do Concílio de que os “tesouros da Palavra de
Deus” fossem mais amplamente distribuídos aos fiéis (cf. SC2 51). Com isso,
temos no domingo um ciclo trienal de leituras, que são os anos A, B e C. Cada
um desses anos é marcado pela leitura mais assídua de um dos três evangelhos
sinóticos: no Ano A, Mateus; no Ano B, que agora iniciamos, Marcos; no Ano C,
Lucas. O Evangelho de João perpassa todos os três ciclos e é lido,
particularmente, no Tempo Pascal. Assim no giro do ano, percorrendo esse ciclo
trienal, temos a chance de ter um contato abundante e fecundo com quase todos
os textos da Sagrada Escritura.
Vida cristã
A vida cristã deve ter como base o ano
litúrgico. Como a liturgia deve ser o centro da nossa existência, e ela é
celebrada dentro dos ritmos próprios do ano litúrgico, assim as nossas devoções
e a nossa própria espiritualidade como um todo devem se alimentar desse mesmo
ritmo, de forma que a nossa vida se nutra do único e mesmo “sopro de
Pentecostes”, que desce sobre nós na liturgia e nos acompanha no cotidiano de
nossas vidas. Isso nos fará viver a liturgia não somente na assembleia, mas nos
fará viver a liturgia cotidianamente. Assim a “obra de Deus” se realizará
plenamente em nós, porque é Ele quem nos transforma pela celebração dos seus
mistérios.
Padre
Fábio Siqueira
Vice-Diretor as Escolas de Fé e Catequese Mater Ecclesiae
e Luz e Vida