terça-feira, 5 de maio de 2015

O dom da caridade

Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro

Neste tempo pascal, iluminados pela ressurreição do Senhor, é importante recordar que a nossa missão de solidariedade está baseada no amor fraterno, na caridade. Vivendo o Ano da Esperança em nossa arquidiocese e o Ano da Paz no Brasil, refletir e colocar em prática a caridade que é um dom de Deus nos faz caminhar na construção da civilização do amor. Nesta cidade que completou 450 anos temos uma grande e importante missão: espalhar as sementes da boa notícia! E ao espalhá-la somos chamados a ter atitudes que contagiem com o bem aos nossos irmãos!
Caridade é um termo derivante do latim caritas, que tem origem no vocábulo grego chàris. Significa um sentimento de ajuda a alguém sem busca de qualquer recompensa. A prática da caridade indica uma pessoa boa e de moral correta. A doutrina católica classifica a caridade como uma das virtudes teologais (fé, esperança e caridade), “pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas, por si mesmo, e a nosso próximo como a nós mesmos, por amor de Deus” (CIC. 1822). O apóstolo São Paulo traçou um quadro incomparável da caridade: “A caridade é paciente, a caridade é prestativa, não é invejosa, não se ostenta, não se incha de orgulho. Nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade” (1 Cor 13, 4-7). São Paulo também não mede suas palavras quando afirma: “A caridade é superior a todas as virtudes. É a primeira das virtudes teologais” (CIC 1826). “Permanecem fé, esperança, caridade, estas três coisas. A maior delas, porém, é a caridade” (1Cor 13, 13).
Jesus fez da caridade o novo mandamento quando disse: “Este é o meu preceito: amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo. 15, 12). Por sua adesão total à vontade do Pai, à obra redentora de seu Filho, a cada moção do Espírito Santo, a Virgem Maria é para a Igreja o modelo da fé e da caridade. A visita de Maria, grávida, a Isabel numa região montanhosa foi um belo exemplo da sua caridade. O Papa emérito Bento XVI publicou, no dia 7 de junho de 2009, uma carta encíclica titulada: “Caritas in Veritate” (“Caridade na Verdade”). Nesta encíclica, a “caridade” é aplicada às realidades do trabalho, da economia e do desenvolvimento em geral. A caridade representa o maior mandamento social. Respeita o outro e seus direitos. Exige a prática de justiça, e só ela nos torna capazes de praticá-la.

A caridade é um amor elevado acima dos sentidos e da razão, pelo qual nos amamos uns aos outros pelo mesmo fim, pelo qual Jesus Cristo amou os homens para fazê-los santos neste mundo e bem-aventurados no outro.
São Vicente de Paulo, em toda sua vida terrestre, se dispôs a ajudar o próximo. Desde a sua infância ele esteve lá, disposto a ser um instrumento da graça de Deus, que é a caridade. E quem poderia imaginar que logo ele, aquele gastão, um dia se tornaria o Patrono Universal da Caridade. Que belas obras ele realizou, nunca obteve um sentido de arrependimento ao servir a quem mais necessitava à sua frente. Seu coração sempre esteve puro e disposto a ajudar, e eis a sua fórmula para os dias de hoje, em que nem sempre temos tamanha abertura ao irmão em Cristo.
A caridade é algo além fronteiras que mexe com o coração de cada um, seja ele rico ou pobre, negro ou branco, ocidental ou oriental, não tem escolhas, Deus não olha isto, e sim o amor que nos faz ir mais perto deles, os preferidos do Pai, os que mais necessitam, que estão à mercê da sociedade: os pobres.
Meditando sobre os evangelhos, impressiona-nos a mensagem de Cristo fundada totalmente no amor aos irmãos, na caridade. Poucas vezes o Divino Mestre fala do amor que devemos ter para com Deus. Do Pai, Ele sempre no-Lo apresenta como o doador de tudo, que nos ama a ponto de dar seu Filho à morte para a salvação dos homens.
Raras vezes, e foram sempre respostas aos fariseus e aos legistas, em que reafirmou o primeiro mandamento do amor a Deus, mas logo a seguir completa-o o amor ao próximo, que lhe é semelhante. Ilustra-o na parábola do bom samaritano (Lc 10, 25-37).
As cartas do apóstolo João insistem no mesmo diapasão. Caqueticamente e com clareza apostólica afirma que aquele que diz que ama a Deus e não ama a seus irmãos é mentiroso. E continua que é muito fácil proclamar que amamos a Deus, a quem não vemos, mas se desprezamos o irmão que está a nosso lado, onde está a caridade, onde está o amor? (1Jo 4,20).
Paulo, na sua Carta aos Coríntios (1Cor. 13), proclama e exalta a caridade. Quase sabemos de cor o texto maravilhoso. Somos levados a interpretar este hino como o amor ao Pai Celeste. Mas, o apóstolo fala é da excelência do amor entre os irmãos. “Ainda que eu falasse todas as línguas dos anjos, ou tivesse toda a ciência, sem a caridade seria um bronze que soa” e cujo som se perde nas quebradas dos montes. 
No dia do Juízo, quando o Filho do Homem, na sua glória, vier nos julgar, escreve o evangelista Mateus, Ele não nos questionará sobre o amor de Deus, sobre a nossa fé, sobre as coisas grandiosas que tivermos feito. O questionamento e a glória decorrente serão sobre o nosso coração, se ele se abriu ou fechou sobre os pequeninos que moravam em nossas casas, no nosso bairro, na nossa comunidade.