terça-feira, 29 de setembro de 2015

Caminhada pela Paz

D. Orani João Tempesta
Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro

            Os bispos do Brasil na Assembleia Geral do ano passado pediram que este ano fosse o Ano da Paz. Diante de tanta violência e insegurança, votamos para que assim o fosse. A partir do Advento de 2014, iniciando o novo ano litúrgico, até o Natal deste ano de 2015, as iniciativas e orações para comemorar este ano deveriam estar presentes em nosso trabalho pastoral como um tema transversal, ou seja, que estivesse atravessando por todas as iniciativas pastorais em nossa arquidiocese. Uma iniciativa comum sugerida foi a Caminhada pela Paz no Dia de São Francisco de Assis, dia 4 de outubro, que neste ano celebramos no Domingo, dia do Senhor.
            A realidade que vivemos é dramática! A violência continua uma constante. Os motivos que alimentam conflitos e guerras são diversos: a injustiça que obriga dois bilhões a sobreviver com menos de R$ 4 reais por dia, divergências culturais e religiosas, sistema militar e necessidades da indústria de armamentos. Tudo faz parte de uma “iniquidade estrutural” que se traduz nas violências nossas de cada dia.
            Vivemos uma cultura de violência fomentada por diversos ciclos viciosos, presentes em todos os lugares: na mídia, nos brinquedos, no trânsito. Isso somado à individualidade e à busca pela satisfação imediata faz com que as pessoas sejam menos capazes de lidar com suas frustrações, e estejam mais propensas a transformar pequenos atritos em grandes confrontos.
            O Brasil é um dos países onde mais se mata com arma de fogo. São quase 40 mil mortes por ano, ou cerca de uma morte a cada 15 minutos. A maioria delas é causada por motivos banais, como uma briga de trânsito, ou simplesmente tomando uma cerveja em determinado bar, um som com um volume muito alto.
            A paz enfrenta atualmente uma realidade que se pode denominar paradoxal: ao mesmo tempo em que ela é violada em cada quarteirão, bairro, fronteira, país ou etnia, é também reclamada, com a mesma intensidade da sua violação, em cada discurso e manifestação em prol do bem comum, da não violência, dos direitos humanos, dos direitos da mulher e da criança.
            Religiões, líderes religiosos e políticos enfatizam a paz em suas falas ou escritos como realidade impostergável. Basta reportar alguns discursos dos últimos Papas, com suas pregações ou encíclicas ao mundo.
            A paz não pode sobreviver sem um pacto, sem uma aliança ampla, que seja fruto do conjunto de todos os esforços humanos em vista da sobrevivência planetária. O Cardeal Turkson, que esteve entre nós ministrando conferências dentro da reflexão sobre o trabalho pastoral nas grandes cidades, recordou que a paz é irmã da justiça. O caminho para a não violência passa pelo respeito à diversidade de culturas, raças e religiões. Ficamos preocupados com os rumos fanáticos de intolerância que estão se instalando também em nosso país. Se a relação com o outro for profunda, implica o desafio de repensar a realidade e as relações sociais a partir de outros critérios e paradigmas. Desenvolver esta cultura da paz começa pela vida cotidiana de cada um. Demanda uma autêntica conversão pessoal.

            A não violência não é apenas um ideal a ser buscado, mas uma forma permanente de vida, baseada na justiça e na inclusão social. É preciso cuidar do outro com o verdadeiro sentido da palavra. Quem aprofunda este caminho percebe que os atos violentos – assaltos, sequestros, assassinatos, manifestações de racismo, de discriminação social e outras injustiças – são apenas expressões ou consequências da estrutura da sociedade, firmada, ela própria, na violência.
            A prática da não violência começa na desmontagem concreta e ideológica da violência em toda a sua amplitude. A guerra e o armamentismo parecem, então, absurdos, principalmente em um mundo que gasta por ano mais de 500 bilhões de dolares com armas e não tem dinheiro para alimentar milhões de crianças, ou cuidar da saúde das vítimas da Aids na África.
            Desenvolver esta cultura da paz começa pela vida cotidiana de cada um. Essa consciência passa inevitavelmente pela família e pela escola. É na família que a criança começa a desenvolver o seu perfil e caráter. É na escola, com o estudo, que aumentamos a nossa liberdade. Porque a liberdade só se constrói quando se tem uma noção de quais são as opções. O verdadeiro ensino religioso nas escolas daria um ótimo passo para essa cultura de entendimento e paz. Porém, a intolerância ideológica procura dificultar e questionar cada vez mais essa possibilidade. O futuro saberá julgar as opções erradas de hoje. A cultura da paz e o cuidado pelo falso proselitismo passam pela educação religiosa que os pais não podem deixar de dar aos seus filhos, incutindo neles o senso da paz que só o Cristo Ressuscitado pode dar a cada um de nós. Se eu tenho só uma opção na minha frente, que liberdade é essa? Mas se eu sei que existem muitos caminhos, a minha liberdade será vivida com mais plenitude. Somente através da educação a pessoa se torna mais consciente e, consequentemente, mais humana.
            É neste sentido, em busca desta paz, que precisamos e devemos refletir e ter medidas para alcançá-la. Eis que chegamos agora ao momento da “caminhada da paz”, como decidimos em nossa Assembleia Geral dos Bispos do Brasil no ano passado. O convite é que esta “caminhada” seja feita em todas as circunscrições eclesiásticas no dia 4 de outubro, Dia de São Francisco de Assis.
            Assim, como Pastor da Igreja Peregrina na Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, eis que faço o meu pedido para que todas as paróquias e comunidades participem, em nosso Santuário Arquidiocesano de Nossa Senhora da Penha, nesse domingo, 4 de outubro, da missa das 10h da manhã. Após a missa teremos nossa caminhada pela paz, e o abraço dessa emblemática Igreja carioca, comprometendo-nos com a construção da paz. Ao mesmo tempo teremos a bênção dos animais na esplanada do santuário, como é tradição no Dia de São Francisco de Assis. Deixo aqui a criatividade e iniciativas para que as comunidades paroquiais que quiserem possam promover também esse evento. A celebração arquidiocesana, no entanto, se dará em nosso Santuário da Penha. Devemos, pois, rezar para que alcancemos a paz, mas temos que ter também gestos como estes que manifestem ao mundo e à sociedade a nossa urgência pela tão sonhada paz. Para que a paz se estabeleça em nossa cidade, precisamos ser peregrinos rumo ao Deus da Paz. Só Deus, só Cristo, só a ação do Divino Espírito Santo pode nos inspirar a sermos construtores da paz!
            Que pela intercessão de São Francisco de Assis, possamos ter um coração, uma família e uma sociedade de paz. Que sejamos construtores da paz em nossa amada e bela cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Assista-nos nesta realidade a proteção do santo patrono da cidade, Sebastião.
            Que Deus vos abençoe e a todos dê a paz! “Senhor, fazei-nos instrumentos de vossa paz”!

Fonte: http://arqrio.org/formacao/detalhes/917/caminhada-pela-paz