D.
Orani João Tempesta
Cardeal
Arcebispo do Rio de Janeiro
A 54ª. Assembleia Geral da CNBB neste ano se
volta para os leigos e leigas na Igreja e na Sociedade como “sal da terra e luz
do mundo”. (cf. Mt 5,13-14), pois sabe da real importância deles dentro do Povo
de Deus para a Igreja no Brasil em um tempo no qual, mais do que nunca, somos
convocados a ser discípulos e missionários de Jesus Cristo em todas as
realidades e ambientes.
É interessante notar como os temas retornam
diante de novos desafios: a Exortação Apostólica Christifideles Laici (Os
leigos cristãos), de São João Paulo II, publicada em 30 de dezembro de 1988,
retoma e atualiza as grandes linhas sobre o laicato oferecidas pelo Concílio
Ecumênico Vaticano II (1962-1965). Pode-se dizer que as grandes linhas do
documento, que merece leitura integral, são: 1) a participação dos leigos na
Igreja; 2) a corresponsabilidade missionária; 3) a administração da multiforme
graça de Deus; 4) a formação para agir e, por fim, mas não menos importante, 5)
a oração.
1) A participação dos leigos na Igreja não é,
diga-se logo, uma realidade apenas dos campos sociológico ou psicológico, pois
a Igreja é o Corpo místico de Cristo prolongado na história dos homens (cf.
1Cor 12,12-21; Cl 1,24). Ser cristão é estar unido a Cristo e em Cristo, bem
como permanecer unido entre si na Igreja por meio do Espírito Santo, que o Pai
enviou a todos os batizados. Ora, essa vida eclesial comporta uma
multiplicidade de ministérios, carismas e responsabilidades.
Entende-se por ministério a participação na
própria ação de Cristo. Todos os ministérios são serviços prestados ao Povo de
Deus. Alguns deles decorrem do sacramento da Ordem e se reservam aos Bispos,
Sacerdotes e Diáconos, já outros vêm do próprio Batismo, Crisma ou Matrimônio.
Assim, os ministérios de presidir a oração litúrgica (Celebração da Palavra,
hoje tão importante em muitas de nossas realidades), distribuir
extraordinariamente a Sagrada Eucaristia, participar da organização e
administração da Igreja em seus Conselhos paroquiais ou diocesanos, lecionar em
faculdades de Teologia, moderar associações leigas, integrar Sínodos
diocesanos, ser notário da Cúria, ecônomo, ministro da Palavra, dos enfermos,
catequista, missionário, juiz do tribunal eclesiástico, promotor de justiça no
mesmo tribunal, zeladora ou sacristão no templo, do altar, atuar no ministério
de música, da liturgia etc.
Existem os carismas, que são dons do Espírito
Santo dados aos seres humanos para a edificação da Igreja, o bem dos homens e
da humanidade em geral. Há carismas especiais como o dom de cura, de profecias,
de línguas e sua interpretação (cf. 1Cor 14,26-28), assim como os mais comuns,
mas muito necessários, tais como o cuidado dos enfermos, de crianças órfãs ou
abandonadas, a assistência a portadores de doenças altamente contagiosas ou raras,
a educação de crianças ou adolescentes em situação de risco, o trabalho
pastoral com encarcerados considerados de alta periculosidade, a catequese de
pessoas especiais, e tantos outros.
Cabe aos Pastores da Igreja distinguir, com o
apoio de bons teólogos e especialistas em Espiritualidade, Psicologia ou
Medicina, os autênticos dos falsos carismas na Igreja, especialmente os
extraordinários, dado que muito facilmente se confundem fenômenos originários
do psiquismo humano. A Igreja, Mãe sábia, pede cautela e dá diretrizes seguras
para esses casos.
Importa dizer que a inserção nos trabalhos
pastorais paroquiais e diocesanos obriga ainda mais ao seu compromisso pessoal
de testemunhar na sociedade a sua fé. Daí, ser importante que cada um, pelo
exemplo e pela palavra, anuncie Jesus Cristo aos parentes, amigos, vizinhos,
colegas de trabalho etc., de modo que todos possam ver a luz de Cristo a
brilhar sempre com novo vigor. Onde está um fiel deve estar a Igreja com sua
mensagem transformadora do coração e das realidades em que vivemos. Seria bom
pedirmos, como jaculatória, diariamente: “Fazei, Senhor, que, ao longo deste
dia, eu te reflita a todos!”. Aliás, esse é o ministério ordinário dos cristãos
leigos.
Também é louvável aos fiéis leigos
participarem de movimentos aprovados pela Igreja, que se destinam a dar
formação, rezar o terço, promover ações entre famílias etc. É preciso, contudo,
que esses mesmos movimentos levem à santidade, à busca de professar a fé em
comunhão com o Magistério da Igreja, à união com o Papa e com o Bispo
diocesano, à conformidade com as necessidades da Igreja local e ao empenho na
promoção da Doutrina Social da Igreja, e não de ideologias estranhas a ela.
2) A corresponsabilidade na vida da Igreja
missionária é outro ponto importante, pois leva a Palavra de Deus a todas as
realidades, como bem dizia o Beato Papa Paulo VI: “Evangelizar é a graça e a
vocação própria da Igreja, a sua identidade mais profunda”. (Evangelii
nuntiandi, 14). Essa tarefa se destina não só a levar o Evangelho aos que não o
conhecem ainda, mas também aos batizados e afastados da vida eclesial. Trata-se
da nova evangelização para fazer chegar aos já batizados a profundidade da vida
segundo o Evangelho.
Alguns pontos podem ser aqui propostos: a
promoção da dignidade humana, de modo que a vida seja defendida desde a sua
concepção até o seu fim natural, o que implica um não ao aborto e à eutanásia;
a defesa da ética nos campos em que essa mesma dignidade humana se encontra
ameaçada. Daí, a importância da Bioética ser levada a sério e a cada
profissional da área da saúde ser garantido o direito humano básico à “objeção
de consciência”. Esta assegura que ninguém pode ser legalmente obrigado a fazer
algo contra a consciência, especialmente ferindo seus valores morais e espirituais
e a preservação da família como desejada no plano de Deus, pois é ela a célula
mãe da sociedade bem organizada. Sem a família unida segundo o plano de Deus
tudo vai mal.
Pede-se, ainda, o direito a expressar
publicamente a nossa fé, dentro da lei e da ordem; o exercício da caridade
fraterna para com todos, seja individualmente ou em grupo; a participação nas
instâncias públicas, especialmente por meio da política profissional, que é um
campo temporal no qual os leigos têm plena autonomia, salvo naquilo que toca
pontos de fé e de moral (não podem apoiar o aborto, a eutanásia, a dissolução
da família pelo voto ou pela filiação a partidos que, eventualmente, em seus
programas, defendam tais bandeiras); a defesa do princípio da subsidiariedade
que leva o Estado a respeitar e não a abocanhar as iniciativas particulares,
dentre as quais está a propriedade privada a servir ao bem da sociedade e não
apenas a interesses mesquinhos de seus proprietários; a evangelização no mundo
da cultura, ou seja, que os leigos e leigas se engajem a escrever em jornais,
revistas, sites, blogs independentes ou próprios, levando a outros a mensagem
do Evangelho. Também o rádio e a televisão são grandes meios de evangelização.
Quem vai escrever ou falar sobre a Igreja, no entanto, há de se preparar e
evitar dar como se fosse opinião do Magistério o que é conceito pessoal do
escritor ou locutor.
3) A administração da multiforme graça de
Deus consiste em entender que o Senhor dá as suas graças a quem, quando e como
quer, nunca segundo nossos critérios humanos limitados, mas conforme a sua
benignidade a chamar, em várias horas, operários para a sua vinha (cf. Mt
20,1-16). Isso nos leva a entender que a comunidade Igreja, em sua face humana,
não é perfeita como queremos e nem todos pensam como gostaríamos, sem que por
isso estejam, necessariamente, errados e nós estejamos certos. É preciso
prudência, discernimento, firmeza, oração e caridade nesse assunto.
Dessa diversidade de operários decorre que
temos na Igreja idosos, jovens, crianças, homens, mulheres, sempre atuando, de
modo mais ou menos eficiente, nas várias áreas de pastorais, sejam internas à
vida paroquial, sejam externas como, por exemplo, na Pastoral Carcerária, da
Criança, do Migrante etc. Devem ser respeitados e são chamados a agir em
sintonia com o seu Bispo na fidelidade ao Magistério da Igreja.
Todas as pessoas requerem especial
acompanhamento dos ministros de Cristo e da própria comunidade como um todo,
mas tem se destacado muito as ovelhas feridas ou fragilizadas pelos desafios de
nosso tempo. Assim, as crianças que vêm de lares desfeitos ou mesmo
inexistentes nas grandes cidades; os adolescentes e jovens marcados pelos
estigmas da violência até da parte dos que deveriam protegê-los, bem como do
flagelo das drogas; os casais de segunda união, não raras vezes com dramas de
consciência; as mulheres vitimadas pela violência, “mães solteiras” ou
traumatizadas por um aborto que fizeram; os idosos abandonados não só em
clínicas ou asilos, mas nas próprias casas. Têm, às vezes, bom conforto
material e médico, mas carecem do apoio humano, assim como outros demais
doentes ou acidentados de maneira geral... É, pois, vasto o campo de ação da
Igreja por meio dos leigos e leigas comprometidos.
4) A formação é importantíssima. O Papa Bento
XVI chegou a dizer aos bispos suíços, na visita ad limina, em novembro de
2006, que a ignorância religiosa atingiu um nível espantoso. Pensa-se, talvez,
que não é importante formar pessoas de fé madura e atuante nos nossos dias.
Isso é grave e requer remédio urgente que, conjuntamente, nós Bispos deveremos
apontar. Tal formação há de enquadrar o espiritual, pois nos leva a
crescer na vida de oração e, consequentemente, na intimidade com Deus e no amor
aos irmãos; doutrinal, importante para conhecer bem a fé professada,
justificá-la e poder transmiti-la aos demais. Aqui não pode faltar a Doutrina
Social da Igreja, como já dissemos, dado que ela leva o cristão a agir no mundo
da política, da economia, da saúde, da educação etc. como homem e mulher de fé e
defensor dos genuínos valores humanos.
A
pergunta é onde encontrar essa formação? – Respondemos que, via de regra, as
dioceses têm suas escolas de teologia para leigos, as paróquias promovem cursos
bíblicos ou teológicos, as escolas católicas ministram aulas de religião, as
faculdades católicas oferecem curso superior de Teologia e também a disciplina
Antropologia Teológica ou equivalente, em vários cursos, que muito pode ajudar
no melhor conhecimento da fé. Isso sem falar nas boas leituras ou cursos online
ou por correspondência, ministrados por sacerdotes, religiosos ou leigos, como,
por exemplo, os que dispomos em nossa Escola Mater Ecclesiae, da
Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, e tem ajudado a muitos irmãos
e irmãs do Brasil e até de outros países de língua portuguesa (www.materecclesiae.com.br).
5) A oração que é como que a alma da alma.
Sem ela nada se faz na vida cristã. Daí, todos sermos convidados, não por
preceito apenas, mas, sim, por amor, a nos dedicarmos à Santa Missa semanal, ou
diária se possível; à Liturgia das Horas a quem dispõe de meios impressos ou
eletrônicos para rezá-la; às devoções tão caras à Igreja, como o Rosário,
especialmente em família ou em comunidade, a Via-Sacra ou outras devoções
pessoais que o Espírito Santo, qual Mestre interior, desperta em nós. Importa
saber de uma verdade normativa: Nada se faça sem oração! Inicie e termine tudo
na presença de Deus, bem como ofereça cada ato feito a Ele, em Cristo, no Espírito
Santo, e você estará em oração contínua ou sempre na presença divina.
Peçamos, por fim, em oração, à Mãe Aparecida
que ilumine a vida de cada leigo ou leiga desse imenso Brasil, a fim de que
corresponda, a contento, à sua nobre missão, bem como interceda junto a seu
Filho Jesus para que a 54ª Assembleia Geral da CNBB seja profícua ao tratar do
laicato na Igreja de nosso País. Amém!
Fonte:
http://arqrio.org/formacao/detalhes/1182/os-fieis-leigos-e-leigas-na-igreja