D.
Orani João Tempesta
Cardeal
Arcebispo do Rio de Janeiro
Vivemos neste Ano Santo extraordinário da
Misericórdia e na existência de cada dia esta misericórdia que se estende sobre
cada um de nós, e ainda mais nesta Festa de Pentecostes. Pois, o ano
eclesiástico gira todo ele em torno da Páscoa. É o centro para o qual tudo
converge e o foco donde tudo se irradia. Natal já é a preparação da Semana
Santa, uma vez que Cristo nasceu para remir o mundo por sua morte e
ressurreição. E Pentecostes é também o fruto da Páscoa, a vinda do Prometido
pelo Pai, enviado pelo Filho. Ainda mais neste Ano Santo, devemos ver o amor de
Deus transbordando nos corações dos fiéis, numa Igreja que está em contínuo
estado de missão e sempre de portas abertas indo, também, ao encontro do irmão,
da irmã que tanto precisa deste acolhimento transformador na ação
pneumatológica, levando adiante o constante projeto do Pai.
Nos Atos dos Apóstolos vemos o que se passou
em Jerusalém, pelas nove horas da manhã, exatamente cinquenta dias depois da
celebração da Páscoa[1]. Quando o Espírito Santo desceu sobre a Virgem Maria, os
Apóstolos e um grupo de discípulos, a Igreja de Cristo, por Ele fundada, passou
a sair pelo mundo para testemunhar o Ressuscitado. Usando uma terminologia
jurídica, Pio XII, na Mystici Corporis Christi afirmou que a Igreja
foi “promulgada” no dia de Pentecostes. Aquele que deu vida a todas as coisas,
Aquele que deu vida a Jesus sobre a terra, Aquele que deu vida à Igreja, à
história[2], a cada um de nós...
Eis o dia em que foi feita a primeira
pregação apostólica e os primeiros convertidos são agregados à Comunidade. A
Igreja começa a pulsar e sua longa vida, prolongada hoje por quase dois mil
anos, inicia seu desenrolar. Com razão, vemos neste Ano Jubilar, recordando as
palavras do Papa Francisco, vivenciar este impulso pneumatológico com todo o
seu vigor, pois o Espírito Santo que veio não mais abandonou a Igreja, ou seja:
“O Evangelho
da misericórdia tem seu lugar na Igreja que prioriza os pobres e que,
“pelo amor ao homem, escuta o clamor pela justiça e deseja responder com todas
as suas forças”. (EG 188).
O Espírito Santo mudou as pessoas, mas se
estabeleceu um fluxo perene que fez do acontecimento de Pentecostes uma
realidade permanente. Por isso, podemos afirmar, sem margem de dúvida, que o
Espírito é a alma da Igreja, é sua vida.
Há elementos eclesiais que não podem mudar,
pois dizem respeito a seu aspecto divino, mas, por ser viva, a Igreja
forçadamente tem de se renovar, à maneira dos organismos. E é o Espírito Santo
que conduz, por meio dos séculos, este processo. O Espírito Santo é nosso
advogado, diz Jesus, chamado de Paráclito, aquele que está do lado, que é
assistente e que, ao mesmo tempo, nos aconselha, nos previne e nos faz dar
testemunho: na hora certa, do jeito certo, nos tribunais, nos nossos trabalhos,
nos depoimentos de tudo aquilo que diz respeito à obra de evangelização na
Igreja de Cristo.
O Espírito Divino está hoje impelindo a
Igreja no caminho da vivência da missão, como discípulos missionários em estado
constante de missão, por atos concretos e gestos de misericórdia viva em nosso
meio, bem como nas paróquias, nas pequenas comunidades e grupos, na opção
evangélica pelos pobres, no ideal de participação em todos os níveis, numa
unificada visão da vida em que toda a existência passa a ser vista de forma
mais e verdadeiramente humana.
Que alegria poder rezar hoje assim: “Vem
Espírito Santo, envia do céu um raio da tua luz para que possamos sempre
louvar-te e agradecer-te. Permanece conosco, conforta-nos com o teu poder,
aquece-nos com o fogo do teu amor”.
Pentecostes é um apelo à criatividade
eclesial; devemos ser dóceis ao Espírito que nos conduz por vias novas, como
também novas foram as vias seguidas no tempo de Constantino ou na Idade Média
ou na Renascença. Pentecostes é “aggiornamento”, é renovação: o Espírito
renovará a face da Terra! E hoje o Papa Francisco nos exorta, recordando que a
misericórdia é a virtude que temos necessidade de acolher e anunciar. É próprio
de Deus usar de misericórdia e manifestar a sua onipotência. Há a necessidade
de fazer a leitura política de um conceito religioso e de aferir a sua
“convivência” com o conceito “justiça”.
Nestes dias em que o Papa fala de uma Igreja
em saída, e que a 54ª. Assembleia Geral da CNBB nos convocou a viver em uma
Igreja em saída, particularmente do trabalho dos cristãos leigos e leigas, que
são chamados a ser sal na terra e luz no mundo, como ministério ordinário.
Ressoa nestes dias as proféticas palavras do Papa: “O dia de Pentecostes,
quando os discípulos “ficaram todos cheios do Espírito Santo”, foi o batismo da
Igreja, que nasce “em saída”, “em partida” para anunciar a todos a Boa Notícia.
A Mãe Igreja, que parte para servir. Recordemos a outra Mãe, a nossa Mãe que
partiu, com prontidão, para servir. A Mãe Igreja e a Mãe Maria: todas as duas
virgens, todas as duas mães, todas as duas mulheres. Jesus foi peremptório com
os apóstolos: não deveriam se afastar de Jerusalém antes que tivessem recebido
do alto a força do Espírito Santo (cfr At 1, 4.8). Sem Ele não há missão, não
há evangelização. Por isso, com toda a Igreja, a nossa Mãe Igreja Católica,
invoquemos: “Vem, Santo Espírito[3]”!
Na Solenidade de Pentecostes, em nossa
Arquidiocese temos a tradição provinda de meus amados predecessores, e que
continuamos a exercer com alegria, de conferir, na Catedral de São Sebastião, o
Sacramento da Crisma a jovens provindos de todos os vicariatos, como sinal de
unidade e missão. É o momento de invocar os dons do Espírito Santo sobre estes
jovens, para que sejam arautos da misericórdia neste mundo tão conturbado. O
momento social, político e econômico é marcado, deveras, por muitas violências
e algumas por causas banais. Nosso mundo hodierno, em que as distâncias
geográficas parecem desaparecer, a compreensão e a comunhão entre as pessoas
muitas vezes é superficial, eletrônica e torna-se gravemente difícil.
Observamos, infelizmente, que permanecem desequilíbrios que com frequência
levam a conflitos e a distensões. O diálogo entre as gerações torna-se difícil
e por vezes prevalece a contraposição. Atônitos, assistimos a fatos do dia a
dia nos quais nos parece que os homens estão a tornar-se mais agressivos e mais
conflituosos.
Peçamos os dons do Espírito Santo para que
iluminem o nosso Brasil e nos faça dóceis e abertos ao espírito de Deus. Que os
dons da fortaleza, da sabedoria, da ciência, do conselho, do entendimento, da piedade
e do temor de Deus nos ajudem a vencer o medo e a indiferença, e viver a
compaixão e a misericórdia para anunciarmos os dons do Divino Espírito Santo,
para viver a vida plena!
[1] “Quando chegou o dia de Pentecostes, os discípulos
estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do céu um barulho como
o sopro de um forte vendaval, e encheu a casa onde eles se encontravam.
Apareceram então umas línguas de fogo e foram pousar sobre cada um deles. Todos
ficaram repletos do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas, conforme
a inspiração do Espírito”. (At 2,1-4)
[2] Cf. Jo 14; Mt 7,11, At 2.
[3] http://papa.cancaonova.com/homilia-do-papa-francisco-na-festa-de-pentecostes-080614/
Fonte:
http://arqrio.org/formacao/detalhes/1228/pentecostes-e-misericordia