A todos os fiéis leigos e leigas,
Aos religiosos/as, consagrados/as,
Ao clero arquidiocesano,
Aos irmãos bispos auxiliares,
Na amada Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro
“Cristãos leigos e leigas, sujeitos na ‘Igreja em saída’,
a serviço do Reino”
“Sal da Terra e Luz do Mundo”(Mt 5,13-14).
Ano
do Laicato 2017/2018
Amados filhos e filhas, o Ano Nacional do
Laicato está chegando ao seu final. Como ocorre com os anos temáticos, existe
um início e um encerramento. Este ano teve seu início no dia 26 de novembro de
2017, na solenidade de Cristo Rei, e vai ser concluído dia 25 de novembro de
2018. As experiências, reflexões e celebrações deste ano me motivaram a
escrever esta carta para, antes de tudo, expressar a minha gratidão a todos os
cristãos leigos e leigas de nossa Arquidiocese de São Sebastião do Rio de
Janeiro. Com dedicação e vigor, levam à frente o importante trabalho de evangelização,
quer em nossas comunidades paroquiais, quer em suas famílias, trabalhos e
tantos outros espaços na sociedade onde atuam.
A 54ª Assembleia da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), em 2016, tratou do tema “Cristão leigos e leigas
na Igreja e na sociedade”, recordando e aprofundando o conceito da vocação dos
fiéis leigos e leigas como “verdadeiros sujeitos eclesiais e corresponsáveis
pela nova evangelização, tanto na Igreja como no mundo”[1].
Este importante tema, que faz parte da
própria história da Igreja e tem grandes momentos e incríveis personagens, vem
sendo aprofundado e adaptado aos novos tempos e tratado com muito interesse
pela Igreja, especialmente ao longo dos últimos 50 anos. Cada documento
contribui com uma riqueza de ensinamentos que são atualizados a cada tempo e
que ajudam a destacar o importante papel dos fiéis leigos e leigas. Os bispos,
com a celebração deste Ano Nacional do Laicato, pretendem: “animar a todos os
cristãos leigos e leigas a atuarem como verdadeiros sujeitos eclesiais nas
diversas realidades em que se encontram inseridos, reconhecendo o valor de seus
trabalhos na Igreja e no mundo. Como sujeitos eclesiais não são uma realidade
pronta, mas um dom que se faz compromisso permanente para toda a Igreja, em sua
missão evangelizadora, sempre em comunhão com os demais membros”[2]. Onde está um cristão leigo ou leiga, aí deveria estar a
presença da Igreja.
A participação na Igreja, Corpo Místico de
Cristo, é fruto da Fé e gera no discípulo o entusiasmo que impulsiona à missão.
Em comunhão com os pastores, representantes de Cristo, de quem recebem os bens
espirituais da Igreja, sobretudo o auxílio da palavra de Deus e dos
sacramentos, os fiéis leigos e leigas colaborem, segundo o seu saber,
conhecimento e lugar que ocupam na sociedade, em tudo aquilo que se refere ao
bem da Igreja[3]. Ser membro de uma comunidade é fundamental para a caminhada e
fortalece o indispensável testemunho no dia a dia, o qual, guiado pelo Espírito
Santo, torna visível o amor incondicional de Deus pela humanidade. O lema do
Ano do Laicato, “Sal da Terra e Luz do Mundo” (Mt 5,13-14), remete à vocação
batismal que nos chama a dar um testemunho de autênticos discípulos de Jesus: “Nisto
todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo
13,35).
O amor verdadeiro e gratuito é o que dá um
sabor diferente às situações que vão surgindo e, ao mesmo tempo, ilumina as
sombras com a verdadeira luz que é Cristo. O discípulo não pode se abater,
desanimar, mas doa-se com alegria, fazendo-se instrumento de Deus e até mesmo
assumindo o martírio, se necessário for. Afirmam os bispos: “Nem o sal, nem a
luz, nem a Igreja e nenhum cristão vive para si mesmo. Sua missão é sair de si,
iluminar, se doar, dar sabor e se dissolver. Os cristãos leigos e leigas, na
Igreja e na sociedade, devem ter olhares luminosos e corações sábios, para
gerar luz, sabedoria e sabor, como Jesus Cristo e seu Evangelho”[4]. São chamados a contagiar o mundo com o seu testemunho como
aqueles que “sentem com a Igreja” e, unidos a ela, vivem como cristãos no meio
do mundo.
Diante de situações difíceis vividas pela
população nos últimos tempos, que trazem insegurança, alimentam a cultura de
morte e o desprezo pela pessoa humana, somos chamados a fazer a diferença.
Convivemos hoje com guerras entre facções criminosas, atentados, assassinatos,
chacinas e tantas outras atrocidades que tomam conta do cotidiano. Surgem
grupos que querem manipular e impor ideologias e pensamentos, mascarando-se
como defensores da liberdade de expressão, contrários ao preconceito, mas, na
verdade, querendo ditar suas ideias, desrespeitando os demais. Pedem respeito,
mas não respeitam. Pedem liberdade de expressão, mas não dialogam. A corrupção
e a falta de ética invadem o cotidiano. É justamente nestes momentos, meus
amados irmãos e irmãs, que a ação evangelizadora dos fiéis leigos e leigas se
faz necessária para encarar com coragem e esperança esta fase de mudança de
época.
O Concílio Vaticano II, falando sobre a
missão dos cristãos leigos e leigas, diz: “Aos leigos compete, por vocação
própria, buscar o Reino de Deus, ocupando-se das coisas temporais e
ordenando-as segundo Deus. Vivem no mundo, isto é, no meio de todas e cada uma
das atividades e profissões, e nas circunstâncias ordinárias da vida familiar e
social, que constituem a trama da existência. Aí os chama Deus a contribuírem,
do interior, à maneira de fermento, para a santificação do mundo, através de
sua própria função; e, guiados pelo espírito do Evangelho e desta forma, a
manifestarem Cristo aos outros, principalmente com o testemunho da vida e o
fulgor da sua fé, esperança e caridade. A eles, portanto, compete muito
especialmente esclarecer e ordenar todas as coisas temporais, com as quais
estão intimamente comprometidos, de tal maneira que sempre se realizem segundo
o espírito de Cristo, se desenvolvam e louvem o Criador e o Redentor”[5].
Embora seja inegável a contribuição que o
Concílio Vaticano II tenha dado para motivar o laicato a uma maior participação
na missão de proclamar e a anunciar a Boa Nova, é possível observar que na
Encíclica Rerum Novarum sobre a questão social, de Leão XIII[6], já se indicava a ação dos cristãos leigos e leigas junto aos
agricultores, operários e micro empreendedores. A ação evangelizadora tinha
como objetivo iluminar a situação social denunciando a opressão, a injustiça e
o modelo econômico que desrespeitava o regime de trabalho de então. Também
naquele contexto, defendia os direitos dos trabalhadores e os animava a assumir
a missão de participarem da mudança social necessária, motivando a organização
de associações operárias com liberdade para reivindicar direitos.
Nesta perspectiva pré-conciliar, ressalto a
participação da Igreja do Rio de Janeiro como sede da primeira Conferência
Geral do Episcopado da América Latina e Caribe, no ano de 1955. No seu
documento final, sob influência da teologia do Corpo Místico, a Conferência
declara os fiéis leigos membros do Corpo de Cristo. Estes não somente fazem
parte da Igreja, mas são Igreja junto com a hierarquia. São chamados à missão
de construir o Reino e colaborar no apostolado que Cristo confiou à Igreja,
especialmente, onde não há padres[7].
A ação profética dos cristãos leigos e leigas
no mundo torna-se mais urgente quando estes, conscientes de que são Igreja,
percebem as mudanças de acordo com cada tempo, que influenciam nas culturas, e,
como Igreja, procuram compreender o mundo para responder aos desafios que
surgem, ainda que nem sempre com a mesma velocidade com que o mundo se
transforma.
Como membro da Igreja, o fiel cristão precisa
estar unido a Cristo e com Ele ser presença no mundo, principalmente no meio
dos pobres, dos pequenos e de todos quantos necessitam[8]. A Igreja, reunião das pessoas convocadas por Cristo para
anunciar a Boa Notícia, representa um espaço social e se constitui, pela
vontade do Pai, em redes de comunidades. Assim exorta São Paulo à comunidade de
Corinto: “…vocês que receberam o chamado de Deus, vejam bem quem são
vocês: entre vocês não há muitos intelectuais, nem muitos poderosos, nem muitos
de alta sociedade. Mas, Deus escolheu o que é loucura no mundo, para confundir
os sábios; e Deus escolheu o que é fraqueza no mundo, para confundir o que é
forte. E aquilo que o mundo despreza, acha vil e diz que não tem valor, isso
Deus escolheu para destruir o que o mundo pensa que é importante.” (1Cor 1,
26-28).
A origem da Ação Católica, por
decisão do Papa Pio XI (1922-1939), foi um grande incentivo à organização dos
cristãos leigos e leigas, e contribuiu para uma tomada de consciência das suas
responsabilidades, a fim de que assumissem a Missão, por toda a parte, conforme
o mandato de Cristo: “Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo
20,21). Mais tarde, inspirado pelo Espírito Santo, o Papa Pio XI, na
Encíclica Quadragésimo Anno,[9] volta ao tema e impulsiona a colaboração dos fiéis leigos
e leigas com o apostolado hierárquico da Igreja. De fato, afirma que o fiel
leigo, dentro da sua realidade, tem a missão de anunciar o Evangelho.
Recordamos com agradecimento o trabalho evangelizador da “Ação Católica” com
todas as várias situações que engajaram os cristãos leigos nas mais diversas
atividades na sociedade.
O Papa São Paulo VI, na Exortação
Apostólica Evangelii Nuntiandi, primeiro documento pós-conciliar que fala
do ministério do fiel leigo, assim se expressa: “Os leigos, a quem a sua
vocação específica coloca no meio do mundo e à frente de tarefas as mais
variadas na ordem temporal, devem também eles, através disso mesmo, atuar uma
singular forma de evangelização.A sua primeira e imediata tarefa não é a
instituição e o desenvolvimento da comunidade eclesial, esse é o papel
específico dos Pastores, mas sim, o pôr em prática todas as possibilidades
cristãs e evangélicas escondidas, mas já presentes e operantes, nas coisas do
mundo. O campo próprio da sua atividade evangelizadora é o mesmo mundo vasto e
complicado da política, da realidade social e da economia, como também o da
cultura, das ciências e das artes, da vida internacional, dos "mass
media" e, ainda, outras realidades abertas para a evangelização, como
sejam o amor, a família, a educação das crianças e dos adolescentes, o
trabalho profissional e o sofrimento. Quanto mais leigos houver impregnados do
Evangelho, responsáveis em relação a tais realidades e comprometidos claramente
nas mesmas, competentes para as promover e conscientes de que é necessário
fazer desabrochar a sua capacidade cristã muitas vezes escondida e asfixiada,
tanto mais essas realidades, sem nada perder ou sacrificar do próprio
coeficiente humano, mas patenteando uma dimensão transcendente para o além, não
raro desconhecida, se virão a encontrar ao serviço da edificação do reino de
Deus e, por conseguinte, da salvação em Jesus Cristo”[10].
O mesmo Pontífice santo, em 1968,
desejando que o Concílio Vaticano II se encarnasse no contexto de sua época,
convocou os bispos da América Latina para reunirem-se em Medellin, e assim
fazerem uma leitura do Concílio a partir do Terceiro Mundo e de suas maiorias
pobres. No documento final, os bispos estimulam a atuação do fiel leigo e leiga
na Igreja e no mundo e afirmam: “O apostolado leigo terá maior transparência de
sinal e maior densidade eclesial, quando apoia seu testemunho em equipes ou
comunidades de fé, nas quais o Cristo prometeu especialmente estar presente (Mt
18,20). Desde modo, os leigos cumprirão mais cabalmente sua missão de fazer com
que a Igreja ‘aconteça’ no mundo, na tarefa humana e na história”.[11]
Dez anos mais tarde, o Episcopado
latino americano volta a se reunir, dessa vez em Puebla, e a consciência do
protagonismo do laicato é reforçada: “Por esta razão, hoje e amanhã na América
Latina, os cristãos, como Povo de Deus, enviados para sermos sementes de
unidade, de esperança e de salvação, precisamos formar uma comunidade, que viva
a comunhão da Trindade e seja sinal da presença de Cristo morto e ressuscitado,
que reconcilia os homens com o Pai no Espírito, os homens entre si e o mundo
com seu Criador. ‘Tudo é vosso, vós sois de Cristo e Cristo é de Deus’(1Cor 3,
23).’E quando todas as coisas lhe estiverem submetidas, então também o Filho se
submeterá Àquele que lhe submete todas as coisas, a fim de que Deus seja tudo
em todos’ (1Cor 15,28)”[12].
Durante o Pontificado de São João
Paulo II, vários foram os documentos que trataram de aprofundar a vocação e
missão do fiel leigo na Igreja e no mundo, culminando com a Exortação
Apostólica Christifideles Laici (1988). Nesse documento, o Papa
propõe a imagem da videira e dos ramos para representar a dignidade do laicato
na Igreja e corresponsabilidade na missão. Em síntese, em comunhão com a
hierarquia e o clero, os fiéis leigos e leigas são chamados a viver seu
compromisso nas estruturas temporais. A partir da eclesiologia de comunhão
acontece o apostolado do laicato, uma vez que a comunhão é missionária e a
missão é para a comunhão. Eis o grande diferencial: unidade na
diversidade e nunca disputas por cargos ou poder.
Em tempos mais recentes, o Papa
Francisco nos convoca a sermos uma ‘Igreja em Saída’: “Naquele «ide» de
Jesus, estão presentes os cenários e os desafios sempre novos da missão
evangelizadora da Igreja, e hoje todos somos chamados a esta nova «saída»
missionária. Cada cristão e cada comunidade há de discernir qual é o caminho
que o Senhor lhe pede, mas todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair
da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que
precisam da luz do Evangelho”.[13]
O anseio da Igreja, expresso pelo seu
Magistério, é de estimular corretamente a presença atuante do fiel cristão
leigo e leiga em todas as comunidades, tornando-os verdadeiros sujeitos
eclesiais[14]. Visando dar um novo impulso à missão do laicato, afirmam os
bispos do Brasil: “Nem o sal, nem a luz, nem a Igreja e nenhum cristão vive
para si mesmo. Sua missão é sair de si, iluminar, se doar, dar sabor e se
dissolver. Os cristãos leigos e leigas, na Igreja e na sociedade, devem ter
olhares luminosos e corações sábios, para gerar luz, sabedoria e sabor, como
Jesus Cristo e seu Evangelho”.[15]
Para viver com fidelidade a sua
vocação batismal, cada fiel leigo e leiga deverá testemunhar sua fé no âmbito
da Igreja e do mundo, edificando o Reino de Deus,[16] segundo o próprio carisma, que é o da
secularidade. Com razão, aos leigos e leigas compete um apostolado que é
participação na missão salvífica da Igreja. Além deste apostolado podem ser
chamados, de diversos modos, a uma colaboração mais imediata com a hierarquia,
assumindo cargos eclesiásticos[17]. Para o cumprimento da sua missão, cada fiel leigo e leiga é
fortalecido pelo dom do Espírito e pela graça do Sacramento da Confirmação,
cujo caráter impresso o une mais perfeitamente à Igreja e o obriga mais
estreitamente a ser, com palavras e obras, testemunha de Cristo e a difundir e
defender a fé em todos os ambientes. Indispensável na vivência da missão é a
Eucaristia, pois é o alimento que nos fortalece e revigora para a caminhada.[18]
Portanto, cada cristão leigo e leiga,
quer atuando seu caráter secular, professando a sua fé e operando no mundo,[19]quer quando desempenha ministérios e serviços na Igreja,
segundo a variedade dos carismas recebidos[20], age de modo propriamente eclesial. Respondendo à própria
vocação ao serviço da Igreja e do mundo, os fiéis leigos e leigas atuam cada
vez mais a perfeição da caridade e, portanto, a santidade, na dimensão de seu
ser e de seu operar[21].
Em toda a sua história, a Igreja
nunca deixou de ser missionária. Em cada tempo e lugar, esta missão assume
perspectivas distintas, porém jamais deixa de acontecer. Se hoje partilhamos a
experiência cristã, é porque alguém nos transmitiu a beleza da fé,
apresentou-nos Jesus Cristo, acolheu-nos na comunidade eclesial e nos fascinou
pelo serviço ao reino de Deus. Cabe à comunidade eclesial perguntar quais são
os grupos humanos ou as categorias sociais que merecem atenção especial e lhes
dar prioridade no trabalho de evangelização.
Em nossa Arquidiocese de São Sebastião do Rio
de Janeiro, encontramos muitos testemunhos bonitos de irmãos leigos e leigas
que assumem plenamente sua vocação e praticam, verdadeiramente, o quanto
apreenderam de Deus através da Igreja. São justamente tais testemunhos que
atraem a Cristo aqueles que não o seguem, levando-os a frequentar a paróquia e
assumir um engajamento pastoral e missionário. Outras vezes, despertam também
aqueles que abandonaram a fé em Cristo fazendo com eles um caminho de retorno
ao Pai. E, finalmente, quando, mediante a vivência da fé, cumprem a grande e
importante missão de apresentar Cristo a todos aqueles e aquelas que ainda não
fizeram a experiência do Ressuscitado.
A multiplicidade de pastorais,
movimentos, serviços e organismos que brotam dessa fé em Cristo é o maior
exemplo que temos do que é ser Igreja. São esses homens e mulheres, engajados
na Igreja e com uma vida social pautada nos valores cristãos, que fazem chegar
a todos os recantos da sociedade a Boa Nova. Louvamos e agradecemos a Deus por
essa riqueza de dons e carismas que não deixam de ser espalhados nas diversas
realidades de nossa Arquidiocese.
Sabemos, no entanto, que são muitos os
desafios e os campos de missão. Quando olhamos para esta grande cidade, diante
das diversas realidades e situações, percebemos que ainda necessitamos de mais
pessoas de fé engajadas. Afinal, como nos diz o Senhor: “A messe é grande e os
operários são poucos” (Mt 9,37); mas isso não deve ser um limitador. Muito pelo
contrário, isso deve nos servir de motivação para sairmos em missão. Mesmo em
pequeno número, unidos somos mais e podemos chegar a todos para convidá-los a
abraçar o Evangelho, a fim de que juntos façamos ecoar por toda a cidade,
estado, nação e mundo o grande canto do aleluia! Portanto, devemos rezar para
que mais irmãos e irmãs se unam a nós na Missão: “Pedi, pois ao dono da messe
que envie trabalhadores para a sua colheita!” (Mt 9,38).
Nestes tempos de tantas necessidades, louvo a
Deus por tantos missionários e missionárias que atuam segundo seu carisma,
tanto dentro de nossa Arquidiocese como também os que partem para outros locais
no Brasil e fora do nosso país, na missão evangelizadora. A nossa grande cidade
precisa contar com missionários que evangelizem e chamem os católicos a viverem
com consciência a sua fé em meio a este tempo complexo.
A missão que começa na Igreja não
para no templo ou nos encontros promovidos por este ou aquele grupo. Este primeiro
momento de escuta da Palavra, do alimento da Eucaristia, da partilha de vida e
de experiências deve ser levado para fora dos muros do templo. Deve chegar às
nossas famílias, como primeiro campo de missão, mas é a sociedade o maior
desafio missionário que nós temos, como Igreja. E é justamente abrindo-se para
a dimensão social da fé que os cristãos leigos e leigas asseguram o verdadeiro
cumprimento da sua missão. A presença dos leigos e leigas que, no mundo,
exercendo a sua missão profissional, são testemunhas de Jesus Cristo, “sentindo
com a Igreja”, é a grande dimensão do “sal da terra e luz do mundo” que nos
pede o Ano do Laicato.
Para que se chegue a tal maturidade
da fé, todos os ministros ordenados, quer aqueles que estão à frente de uma
comunidade paroquial, quer seus colaboradores, deverão incentivar e promover a
formação adequada dos fiéis leigos e leigas. Além da fé e da disposição, eles
deverão ser devidamente instruídos no conhecimento sobre a Sagrada Escritura,
sacramentos, doutrinas, etc. Neste sentido, recorda-nos o Papa Francisco na sua
carta ao Cardeal Marc Ouellet, Presidente da Comissão para a América Latina e
Caribe: “É para o Santo Povo fiel de Deus que como pastores somos continuamente
convidados a olhar, proteger, acompanhar, apoiar e servir. Um pai não se
compreende a si mesmo sem os seus filhos. Pode ser um ótimo trabalhador,
profissional, marido, amigo, mas o que o torna pai tem um rosto: são os seus
filhos. O mesmo acontece a nós, somos pastores. Um pastor não se compreende sem
um rebanho, que está chamado a servir. O pastor é pastor de um povo, e o povo
deve ser servido a partir de dentro. Muitas vezes vamos à frente abrindo
caminho, outras voltamos para que ninguém permaneça atrás, e não poucas vezes
estamos no meio para ouvir bem o palpitar do povo”. A iniciação cristã
seja priorizada e nela se possa transmitir a base necessária para o
aprofundamento da fé.
Iniciação à vida cristã significa
conhecer Jesus Cristo, fascinar-se por Ele e optar por segui-Lo. “A admiração
pela pessoa de Jesus, seu chamado, seu olhar de amor despertam uma resposta
consciente e livre desde o mais íntimo do coração do discípulo”[22]. Vida cristã é, pois, a resposta da pessoa ao chamado, à
conversão divina através do Senhor Jesus Cristo, para anunciar e fazer
acontecer Seu projeto de Vida, o Reino de Deus. E é na Igreja que se vive esta
resposta. Sem uma experiência concreta de encontro com Jesus Cristo vivo e,
consequentemente, o entusiasmo em anunciá-lo, não chegaremos a ser essa
presença importante na vida de nosso povo.
Nossa Arquidiocese de São Sebastião do Rio de
Janeiro oferece várias possibilidades que visam, justamente, favorecer o
processo formativo dos nossos fiéis leigos e leigas. Além da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/Rio (1941) que produz e
propaga o saber a partir das atividades de ensino, pesquisa e extensão, temos
o Pontifício Instituto Superior de Direito Canônico (1984), que
oferece o Curso de Mestrado nessa área, de modo a formar canonistas
qualificados para o estudo, aplicação e ensino. O Instituto Superior de
Ciências Religiosas (2011) tem por finalidade a formação de fiéis leigos e
religiosos em vista do enriquecimento da sua própria vida cristã, da capacidade
de explicar a razão da sua fé, do exercício do apostolado que lhes é próprio e,
em particular, da sua participação na evangelização. As Escolas de Fé e
Catequese Mater Ecclesiae (1965) e Luz e Vida formam professores
e catequistas, inclusive para a rede de ensino público de nível médio. Além de
tantos encontros, seminários, fórum e aprofundamento que existem segundo os
vários carismas.
Todos estes organismos são braços da
Arquidiocese para bem preparar todos os fiéis, inclusive leigos e leigas.
Formados solidamente, estes podem ser testemunhas do Reino nas mais variadas
instâncias da sociedade contemporânea e também colaborarem junto com os
ministros sagrados na missão da igreja.
Vale destacar, a este ponto, a
importante e indispensável comunhão que deve existir entre os fiéis leigos e
leigas e os ministros sagrados. Isso é fundamental: “Pai que todos sejam um
para que o mundo creia”. O Povo de Deus é um povo organizado de forma hierárquica.
Portanto, nunca é demais sublinhar que, assim como os fiéis leigos e leigas não
podem se desvincular dos ministros ordenados, estes também não podem deixar de
caminhar junto com aqueles que são chamados à vocação secular. A construção
desta unidade se dá no diálogo, no encontro, nas reflexões, sobretudo, à luz da
Palavra de Deus e da oração. O Papa Francisco, na mesma carta ao Cardeal
Ouellet, nos diz: “Como pastores, unidos ao nosso povo, faz-nos bem
perguntarmo-nos como estamos a estimular e a promover a caridade e a
fraternidade, o desejo do bem, da verdade e da justiça. Como podemos fazer para
que a corrupção não se aninhe nos nossos corações”.
A experiência comunitária, quando
efetivamente vivida à luz da Boa- Nova do Reino de Deus, conduz ao empenho para
que a fraternidade e união sejam assumidas em todas as instâncias da vida. Para
isso, no interior da Paróquia (Comunidade eclesial), o diálogo é o caminho
permanente para a boa convivência e o aprofundamento da comunhão. A variedade
de vocações, carismas, espiritualidades e movimentos é uma riqueza e não motivo
para competição, rejeição e discriminação. Grande é o desafio da educação para
a unidade na diversidade.
Desejo que a consequência de termos
vivido este Ano Nacional do Laicato continue a nos afervorar, a cada momento,
em nossa importante missão de ser uma “Igreja em saída” que testemunhe Jesus
Cristo. Espero que a experiência deste Ano tenha aumentado o ardor missionário
em todos os membros da nossa Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Que cada um possa sentir-se impelido pelo “Ide” do envio que Jesus dá aos seus[23] e, como discípulo missionário, ser sinal do Reino em
meio aos desafios cotidianos. Para que isso seja possível, devemos estar
atentos às mudanças rápidas e profundas do mundo moderno e, deixando-nos
desafiar por elas, termos a coragem de enfrentar com esperança a conversão da
realidade. Saibam, caros irmãos leigos e leigas, que nessa empreitada não estão
sozinhos, pois toda a Igreja é impelida a lançar redes para águas mais
profundas[24], a nutrir nossa esperança para continuar o caminho, na
certeza de que Deus está conosco. Os discípulos são, ipso facto, também
missionários.
Novas respostas precisam ser construídas a
fim de que, unindo fé e vida, oração e compromisso com a dignidade da pessoa
humana e da justiça, possamos reinventar o amanhã a partir da ousadia do
trabalho que se faz hoje. Faz-se necessário assumir o risco de acertar ou
fracassar, mas é quando se ensaia que se cria o novo. A melhor forma de saber é
aprender junto com a própria ação. A prática é fonte criadora de ideias. Cada
um, leigo e leiga, é verdadeiro sujeito da ação missionária que brota do
próprio batismo, ou seja, é sujeito eclesial. Os bispos definem: “Ser sujeito
eclesial significa ser maduro na fé, testemunhar amor à Igreja, servir os
irmãos e irmãs, permanecer no seguimento de Jesus na escuta obediente à
inspiração do Espírito Santo e ter coragem, criatividade e ousadia para dar
testemunho de Cristo”.[25]
Para que possamos celebrar a presença
e a organização dos cristãos leigos e leigas, aprofundar a sua identidade,
vocação, espiritualidade e missão, promover a fé em Jesus Cristo através do
testemunho de vida e colaborar mais eficazmente na construção do Reino de Deus
na sociedade, nossa Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, seguiu os
eixos propostos pelos Bispos do Brasil, adaptados a nossa realidade pastoral:
1) Eventos; 2) Comunicação, Catequese e Celebração; 3) Seminários temáticos; 4)
Aprofundamento das publicações e o legado pós o Ano Nacional do Laicato. Com
esta carta quero incentivar esse tempo que virá após o encerramento desse ano
temático.
Por isso, conclamo todas as paróquias e
comunidades, pastorais, movimentos, organismos e serviços, a continuarem
desenvolvendo ações que promovam o laicato, estabelecendo diálogo com os
diferentes campos da sociedade, favorecendo a cultura do encontro e o cuidado
com a vida e o bem comum, envolvendo os meios de comunicação social e as diversas
redes sociais. Temos um longo caminho a percorrer e a necessidade de uma
presença ainda maior nessa cidade para que ela descubra que “Deus a habita”.
A palavra de Deus, alimentando,
iluminando e orientando toda a ação pastoral, transborda para a totalidade da
existência de pessoas e grupos, tornando-se luz para o caminho. Os fiéis leigos
e leigas são convidados a redescobrir o contato pessoal e comunitário com a
palavra de Deus como lugar privilegiado de encontro com Jesus Cristo. A Igreja
hoje tem consciência de que “particularmente as novas gerações têm necessidade
de ser introduzidas na palavra de Deus através do encontro e do testemunho
autêntico do adulto, da influência positiva dos amigos e da grande companhia
que é a comunidade eclesial.”[26]
A vivência dos sacramentos, em
especial da Eucaristia, seja uma fonte inesgotável de vida e de entusiasmo para
testemunharmos em quem nós cremos e como somos chamados e ser sinais de
esperança nestes tempos complexos de nossa história.
Finalmente, peço a todos os fiéis
leigos e leigas, que respondam com decisão de vontade, ânimo generoso e
disponibilidade de coração à voz de Cristo, que os convida com maior
insistência a viver a sua vocação e missão. Deixem-se conduzir pelo Espírito Santo
a todos os lugares para que, nas diversas formas e modalidades do apostolado da
Igreja, se tornem verdadeiros discípulos de Cristo, trabalhando sempre na obra
do Senhor com plena consciência de que o seu trabalho não é vão. Se cada fiel
leigo e leiga assumir seu papel, juntos podemos transformar o mundo e torná-lo
uma “civilização do amor”.[27]
Seremos capazes de iluminar os desafios do
dia a dia com a luz da fé cristã, como fermento de santificação, presença que
anima e ordena as coisas do mundo segundo a vontade de Deus. Que os fiéis
leigos e leigas despertem cada vez mais para a missão, a participação na
comunidade eclesial, o engajamento na vida pastoral da paróquia e da
Arquidiocese e, principalmente, para assumir sua missão no cotidiano, sendo
presença do Cristo, vivo e ressuscitado no mundo.
Em especial, exorto aos leigos e
leigas para que multipliquem a presença da Igreja com os seus carismas, não
esquecendo da necessária capilaridade das pequenas comunidades (paróquia
comunidade de comunidades), em especial da tradição carioca dos círculos
bíblicos.
Meus caros irmãos e irmãs, não tenham
medo! O mundo é o campo que nos compete para a missão evangelizadora,
transformadora e santificadora que recebemos do Senhor. As dificuldades sem
dúvida existem, e os problemas também são muitos, mas alimentados pela
esperança, animados pela certeza de que é o Senhor que nos conduz,
construiremos uma Igreja sempre mais viva, numa ação verdadeiramente
missionária e fiel à doutrina recebida dos Apóstolos.
Que a Virgem Maria, Senhora da Penha, que do
alto do penhasco contempla esta cidade, nos mostre sempre mais claramente os
caminhos de Jesus, seu Filho e nos alcance do Senhor a generosa disposição para
nos lançarmos, generosamente, na aventura da construção do Reino de Deus. Este
é o momento de responder ao chamado para vivenciar em plenitude a nossa vocação
e missão, proposto pelo Ano Nacional do Laicato, dentro da realidade de nossa
Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Rezemos com fé a Oração do Ano
Nacional do Laicato: “Ó Trindade Santa, / Amor pleno e eterno, / que
estabelecestes a Igreja como vossa “imagem terrena”:
Nós vos agradecemos / pelos dons, carismas, /
vocações, ministérios e serviços / que todos os membros de vosso povo realizam
/ como “Igreja em saída”, / para o bem comum, / a missão evangelizadora / e a
transformação social, /no caminho de vosso Reino. Nós vos louvamos / pela
presença e organização dos cristãos leigos e leigas no Brasil / sujeitos
eclesiais, testemunhas de fé, / santidade e ação transformadora. Nós vos
pedimos, que todos os batizados / atuem como sal da terra e luz do mundo: / na
família, no trabalho, / na política e na economia, / nas ciências e nas artes,
/ na educação, na cultura e nos meios de comunicação; / na cidade, no campo e
em todo o planeta, / nossa “casa comum”. Nós vos rogamos que todos contribuam/
para que os cristãos leigos e leigas / compreendam sua vocação e identidade, /
espiritualidade e missão, / e atuem de forma organizada na Igreja e na
sociedade/ à luz da evangélica opção preferencial pelos pobres. Isto vos
suplicamos / pela intercessão da Sagrada Família, / Jesus, Maria e José, /
modelos para todos os cristãos. Amém”.
Rio
de Janeiro, 31 de outubro de 2018.
Orani
João Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo
Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro
[1] CNBB, Doc. 105, n. 2.
[2] Ibidem, n. 10
[3] Cf. LG, n. 37
[4] CNBB, Doc 105, n. 13
[5] LG, n. 31.
[6] Leão XIII, Carta Enciclica Rerum Novarum, maio de
1891.
[7] Cf. RIO DE JANEIRO, nn. 42-43
[8] Cf. LG n. 8; AG n. 5.
[9] Pio XI, Carta Encíclica Quadragesimo anno sobre
a restauração da ordem social, 15 de maio de 1931,no 40º aniversário da Encíclica Rerum
Novarum de Leão XIII.
[10] EN, n. 70
[11] MEDELLÍN, n. 10 e 12.
[12] Puebla, n. 1301.
[13] EG, n. 20
[14] Cf. DAp, n. 497a.
[15] CNBB, Doc.105, n. 13.
[16] Cf. LG, n. 35.
[17] Cf. LG, n. 33. Aqui temos, além das funções pastorais, o
jurídico, onde leigos podem e exercem a pastoral da justiça eclesiástica nos
Tribunais da Igreja, por exemplo.
[18] Cf. Cânn. 879; 897; LG, n. 11a; CL, n. 14.
[19] Cf. CL, n. 15.
[20] Cf. CL, n. 24-25 e 56.
[21] CL, n. 16-17.
[22] Dap, n. 136.
[23] Cf. Mt 28,19
[24] Cf. Lc 5,4
[25] CNBB, Doc 105, n. 119
[26] CNBB, DGAE 2015/2019, n. 49
[27] Cf. Paulo VI Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1977:
AAS 68 (1976), 709.
Fonte:
http://arqrio.org/noticias/detalhes/7034/cristaos-leigos-e-leigas-sujeitos-na-igreja-em-saida-a-servico-do-reino-sal-da-terra-e-luz-do-mundo-mt-5-13-14