segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Ser Santo hoje

D. Orani João Tempesta
Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro

Grandes são os questionamentos do homem em tempos hodiernos. Um dos mais presentes atualmente em sua vida é de como buscar e, também, viver a santidade? A Bíblia ensina que santidade, é um atributo exclusivo de Deus, mas ao mesmo tempo chama homens e mulheres de santos. Por que? O que faz com que uma pessoa seja santa? É possível lutar contra nossos próprios desejos, controlar a nossa mente e não pensar em coisas que desagradam a Deus?
Ser santo é ser perfeito, sem defeito algum, ser completamente justo, puro e totalmente separado do pecado, ou seja, um atributo exclusivo de Deus (Sl 99,9; 1Jo 1,5). Somente Deus é moralmente puro e perfeito (Sl 145,17; Mt 5,48, 2Sm 22,31). Inclusive, a principal forma utilizada, até mesmo por anjos, para adorar a Deus é chamá-lo de SANTO (Is 6,3; Ap 4,8).
Por que então a Bíblia consideraria alguns homens e mulheres como sendo santos? E ao contrário do que muitos pensam, esta condição de santo não se aplica somente aos grandes apóstolos ou aos nomes famosos da Bíblia, mas se refere à pessoas comuns, como eu e você (Cl 1,2; Ef 1,1; 1Pe 1,16).
No documento sobre a santidade do Santo Padre, o Papa Francisco, pode-se ler uma expressão que marca o espírito desta Exortação Apostólica Gaudete et exsultate: “Gosto de ver a santidade no povo paciente de Deus: nos pais que criam os seus filhos com tanto amor, nos homens e mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a sorrir. Nesta constância de continuar a caminhar dia após dia, vejo a santidade da Igreja militante. Esta é muitas vezes a santidade «ao pé da porta», daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus, ou – por outras palavras – da «classe média da santidade»”
A questão é que por mais piedosa que uma pessoa seja, por mais obras de caridade que ela faça, ainda sim ela jamais alcançará o padrão de santidade exigido por Deus (Rm 3,10-12). Como é então que a Bíblia, ou seja, o próprio Deus, pode chamar alguém de santo?
A resposta é muito simples: Jesus Cristo (Jo 6,69; 2Co 5,21). A Bíblia ensina que receber Jesus Cristo significa ser considerado uma nova criatura (2Co 5,17; Jo 3,3; Jo 1,12-13), ser purificado e separado do pecado (Cl 1,14; 1Jo 3,5-6), ser tirado do reino das trevas e transportado para o Reino de Deus (Cl 1,13-14).
Santo é todo aquele que crê que Jesus é o Cristo (Jo 20,30-31; 1Jo 5,1), o Filho de Deus (1Jo 5,4-5). Crê na sua vida sem pecado (Hb 4,15; 1Pe 2,22), morte sem culpa (1Pe 3,18) e ressurreição dentre os mortos (Rm 10,9-10).
Quando isso acontece, quando cremos, Cristo passa a habitar em nós (1Jo 4,13; Jo 14,23), e se Cristo vive em nós (Gl 2,20), somos santos (Ap 14,12). Não por mérito ou esforço próprio (Ef 2,8-9), mas por causa de Jesus Cristo (1Jo 2,12).
Ser santo não significa dizer que a nossa natureza pecaminosa deixou de existir (1Jo 1,8), muito pelo contrário, é aí que realmente percebemos que tal natureza existe (Rm 7,18). O que acontece agora é uma luta contra o pecado que habita em nós (1Pe 2,11), para vivermos de acordo com a vontade de Deus revelada na Bíblia (Ef 5,17), ou seja, andar em santidade (1Ts 4,3). Ser santo é o que nos capacita a andar em santidade (1Jo 2,29; 1Jo 5,18-19).
Contudo, nós precisamos separar o que é santidade, daquilo que só tem aparência de santidade. Assim como os fariseus na época de Jesus (Mt 23,25-28), ainda hoje muitas pessoas tentam demonstrar sua santidade através das roupas que vestem, das músicas que ouvem, dos programas que assistem e dos lugares que frequentam ou deixam de frequentar (Cl 2,20-23; Is 29,13) – isso tudo pode ajudar na perseverança no bem na caminhada de conversão, porém, quem geralmente tenta apenas demonstrar uma santidade através de usos e costumes acaba se esquecendo de que a santidade ensinada pela Bíblia não é algo para ser exibido e muito menos feito para se receber elogios (Mt 6.1). É algo para ser vivido em nosso particular com Deus (Rm 14,22; Ef 5,8-10), algo interior que nem sempre ficará evidente à outras pessoas (2Co 13,5; 1Co 11,28), embora possa aparecer na convivência de cada dia.
Para o Papa, em sua Exortação Apostólica sobre a santidade, Gaudete et Exsultate, existe um método para o caminho da santidade: as bem-aventuranças (nº 63). Ele declara nesse documento que sobre a essência da santidade, podem haver muitas teorias, abundantes explicações e distinções. Uma reflexão do género poderia ser útil, mas não há nada de mais esclarecedor do que voltar às palavras de Jesus e recolher o seu modo de transmitir a verdade. Jesus explicou, com toda a simplicidade, o que é ser santo; fê-lo quando nos deixou as bem-aventuranças (cf. Mt 5, 3-12; Lc 6, 20-23). Estas são como que o bilhete de identidade do cristão. Assim, se um de nós se questionar sobre como fazer para chegar a ser um bom cristão, a resposta é simples: é necessário fazer – cada qual a seu modo – aquilo que Jesus disse no sermão das bem-aventuranças. Nelas está delineado, segundo o papa, “o rosto do Mestre, que somos chamados a deixar transparecer no dia-a-dia da nossa vida”. (nº21).
E para cumprir as bem-aventuranças e viver a santidade no mundo atual o Papa Francisco aponta algumas características necessárias a desenvolver pelos cristãos: a oração, a paciência, a mansidão, a ousadia e, também, a alegria e o bom humor. Aliás, neste particular do bom humor, o Papa cita alguns santos como São Tomás Moro, São Vicente de Paulo e São Filipe Néri e sublinha que “o mau humor não é um sinal de santidade”. A alegria, essa sim, é característica de santidade porque, como escreve o Papa “ser cristão é «alegria no Espírito Santo» (Rm 14, 17)”. Mas, Francisco avisa que não se trata de uma alegria consumista: “Não estou a falar da alegria consumista e individualista muito presente nalgumas experiências culturais de hoje. Com efeito, o consumismo só atravanca o coração; pode proporcionar prazeres ocasionais e passageiros, mas não alegria. Refiro-me, antes, àquela alegria que se vive em comunhão, que se partilha e comunica, porque «a felicidade está mais em dar do que em receber» (At 20, 35) e «Deus ama quem dá com alegria» (2 Cor 9, 7).”
Conclui o Papa a sua Exortação Apostólica Gaudete et exsultate sobre a santidade assinalando uma “necessidade imperiosa”: “a capacidade de discernimento”. “Hoje em dia, tornou-se particularmente necessária a capacidade de discernimento, porque a vida atual oferece enormes possibilidades de ação e distração, sendo-nos apresentadas pelo mundo como se fossem todas válidas e boas. Todos, mas especialmente os jovens, estão sujeitos a um zapping constante. É possível navegar simultaneamente em dois ou três visores e interagir ao mesmo tempo em diferentes cenários virtuais. Sem a sapiência do discernimento, podemos facilmente transformar-nos em marionetes à mercê das tendências da ocasião.”
Sendo assim, Jesus Cristo deve governar nossas mentes para que todo pensamento se torne obediente à Ele (2Co 10,5), e que tanto o nosso querer, quanto o nosso realizar, sejam feitos de acordo com a sua boa (Fp 2,13), agradável e perfeita vontade (1Co 13,10; Rm 6,22).

Fonte: http://arqrio.org/formacao/detalhes/2383/ser-santo-hoje