D.
Orani João Tempesta
Cardeal
Arcebispo do Rio de Janeiro
Grandes são os questionamentos do homem em
tempos hodiernos. Um dos mais presentes atualmente em sua vida é de como buscar
e, também, viver a santidade? A Bíblia ensina que santidade, é um atributo
exclusivo de Deus, mas ao mesmo tempo chama homens e mulheres de santos. Por
que? O que faz com que uma pessoa seja santa? É possível lutar contra nossos
próprios desejos, controlar a nossa mente e não pensar em coisas que desagradam
a Deus?
Ser santo é ser perfeito, sem defeito algum,
ser completamente justo, puro e totalmente separado do pecado, ou seja, um
atributo exclusivo de Deus (Sl 99,9; 1Jo 1,5). Somente Deus é moralmente puro e
perfeito (Sl 145,17; Mt 5,48, 2Sm 22,31). Inclusive, a principal forma
utilizada, até mesmo por anjos, para adorar a Deus é chamá-lo de SANTO (Is 6,3;
Ap 4,8).
Por que então a Bíblia consideraria alguns
homens e mulheres como sendo santos? E ao contrário do que muitos pensam, esta
condição de santo não se aplica somente aos grandes apóstolos ou aos nomes
famosos da Bíblia, mas se refere à pessoas comuns, como eu e você (Cl 1,2; Ef
1,1; 1Pe 1,16).
No documento sobre a santidade do Santo
Padre, o Papa Francisco, pode-se ler uma expressão que marca o espírito desta
Exortação Apostólica Gaudete et exsultate: “Gosto de ver a santidade no povo
paciente de Deus: nos pais que criam os seus filhos com tanto amor, nos homens
e mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos doentes, nas
consagradas idosas que continuam a sorrir. Nesta constância de continuar a
caminhar dia após dia, vejo a santidade da Igreja militante. Esta é muitas
vezes a santidade «ao pé da porta», daqueles que vivem perto de nós e são um
reflexo da presença de Deus, ou – por outras palavras – da «classe média da
santidade»”
A questão é que por mais piedosa que uma
pessoa seja, por mais obras de caridade que ela faça, ainda sim ela jamais
alcançará o padrão de santidade exigido por Deus (Rm 3,10-12). Como é então que
a Bíblia, ou seja, o próprio Deus, pode chamar alguém de santo?
A resposta é muito simples: Jesus Cristo (Jo
6,69; 2Co 5,21). A Bíblia ensina que receber Jesus Cristo significa ser
considerado uma nova criatura (2Co 5,17; Jo 3,3; Jo 1,12-13), ser purificado e
separado do pecado (Cl 1,14; 1Jo 3,5-6), ser tirado do reino das trevas e
transportado para o Reino de Deus (Cl 1,13-14).
Santo é todo aquele que crê que Jesus é o
Cristo (Jo 20,30-31; 1Jo 5,1), o Filho de Deus (1Jo 5,4-5). Crê na sua vida sem
pecado (Hb 4,15; 1Pe 2,22), morte sem culpa (1Pe 3,18) e ressurreição dentre os
mortos (Rm 10,9-10).
Quando isso acontece, quando cremos, Cristo
passa a habitar em nós (1Jo 4,13; Jo 14,23), e se Cristo vive em nós (Gl 2,20),
somos santos (Ap 14,12). Não por mérito ou esforço próprio (Ef 2,8-9), mas por
causa de Jesus Cristo (1Jo 2,12).
Ser santo não significa dizer que a nossa
natureza pecaminosa deixou de existir (1Jo 1,8), muito pelo contrário, é aí que
realmente percebemos que tal natureza existe (Rm 7,18). O que acontece agora é
uma luta contra o pecado que habita em nós (1Pe 2,11), para vivermos de acordo
com a vontade de Deus revelada na Bíblia (Ef 5,17), ou seja, andar em santidade
(1Ts 4,3). Ser santo é o que nos capacita a andar em santidade (1Jo 2,29; 1Jo
5,18-19).
Contudo, nós precisamos separar o que é
santidade, daquilo que só tem aparência de santidade. Assim como os fariseus na
época de Jesus (Mt 23,25-28), ainda hoje muitas pessoas tentam demonstrar sua
santidade através das roupas que vestem, das músicas que ouvem, dos programas
que assistem e dos lugares que frequentam ou deixam de frequentar (Cl 2,20-23;
Is 29,13) – isso tudo pode ajudar na perseverança no bem na caminhada de
conversão, porém, quem geralmente tenta apenas demonstrar uma santidade através
de usos e costumes acaba se esquecendo de que a santidade ensinada pela Bíblia
não é algo para ser exibido e muito menos feito para se receber elogios (Mt
6.1). É algo para ser vivido em nosso particular com Deus (Rm 14,22; Ef
5,8-10), algo interior que nem sempre ficará evidente à outras pessoas (2Co
13,5; 1Co 11,28), embora possa aparecer na convivência de cada dia.
Para o Papa, em sua Exortação Apostólica
sobre a santidade, Gaudete et Exsultate, existe um método para o caminho da
santidade: as bem-aventuranças (nº 63). Ele declara nesse documento que sobre a
essência da santidade, podem haver muitas teorias, abundantes explicações e
distinções. Uma reflexão do género poderia ser útil, mas não há nada de mais
esclarecedor do que voltar às palavras de Jesus e recolher o seu modo de
transmitir a verdade. Jesus explicou, com toda a simplicidade, o que é ser
santo; fê-lo quando nos deixou as bem-aventuranças (cf. Mt 5, 3-12; Lc 6,
20-23). Estas são como que o bilhete de identidade do cristão. Assim, se um de
nós se questionar sobre como fazer para chegar a ser um bom cristão, a resposta
é simples: é necessário fazer – cada qual a seu modo – aquilo que Jesus disse
no sermão das bem-aventuranças. Nelas está delineado, segundo o papa, “o rosto
do Mestre, que somos chamados a deixar transparecer no dia-a-dia da nossa
vida”. (nº21).
E para cumprir as bem-aventuranças e viver a
santidade no mundo atual o Papa Francisco aponta algumas características
necessárias a desenvolver pelos cristãos: a oração, a paciência, a mansidão, a ousadia
e, também, a alegria e o bom humor. Aliás, neste particular do bom humor, o
Papa cita alguns santos como São Tomás Moro, São Vicente de Paulo e São Filipe
Néri e sublinha que “o mau humor não é um sinal de santidade”. A alegria, essa
sim, é característica de santidade porque, como escreve o Papa “ser cristão é
«alegria no Espírito Santo» (Rm 14, 17)”. Mas, Francisco avisa que não se trata
de uma alegria consumista: “Não estou a falar da alegria consumista e
individualista muito presente nalgumas experiências culturais de hoje. Com
efeito, o consumismo só atravanca o coração; pode proporcionar prazeres
ocasionais e passageiros, mas não alegria. Refiro-me, antes, àquela alegria que
se vive em comunhão, que se partilha e comunica, porque «a felicidade está mais
em dar do que em receber» (At 20, 35) e «Deus ama quem dá com alegria» (2 Cor
9, 7).”
Conclui o Papa a sua Exortação Apostólica
Gaudete et exsultate sobre a santidade assinalando uma “necessidade imperiosa”:
“a capacidade de discernimento”. “Hoje em dia, tornou-se particularmente
necessária a capacidade de discernimento, porque a vida atual oferece enormes
possibilidades de ação e distração, sendo-nos apresentadas pelo mundo como se
fossem todas válidas e boas. Todos, mas especialmente os jovens, estão sujeitos
a um zapping constante. É possível navegar simultaneamente em dois ou três
visores e interagir ao mesmo tempo em diferentes cenários virtuais. Sem a
sapiência do discernimento, podemos facilmente transformar-nos em marionetes à
mercê das tendências da ocasião.”
Sendo assim, Jesus Cristo deve governar
nossas mentes para que todo pensamento se torne obediente à Ele (2Co 10,5), e
que tanto o nosso querer, quanto o nosso realizar, sejam feitos de acordo com a
sua boa (Fp 2,13), agradável e perfeita vontade (1Co 13,10; Rm 6,22).
Fonte:
http://arqrio.org/formacao/detalhes/2383/ser-santo-hoje