D.
Orani João Tempesta
Cardeal
Arcebispo do Rio de Janeiro
Em 1961, três sacerdotes que atuavam junto à
Cáritas Brasileira decidiram promover uma campanha para arrecadação de fundos
para as atividades assistenciais da Igreja local. Essa atividade foi chamada de
Campanha da Fraternidade. No contexto da Quaresma de 1962, foi a ocasião em que
se deu pela primeira vez a experiência da Campanha da Fraternidade, na cidade
de Natal, no Estado do Rio Grande do Norte, numa iniciativa do Cardeal Eugenio
de Araujo Sales. Daí, a campanha foi assumindo, dentro do contexto de conversão
quaresmal, todas as demais dioceses do Brasil.
Em cada ano temos um assunto a ser
aprofundado. Neste ano, o tema que nos é proposto pela Igreja no Brasil nos faz
refletir sobre as políticas públicas, a necessidade de políticas que promovam a
dignidade humana no Brasil. O tema “Fraternidade e Políticas Públicas” dá
continuidade ao do ano passado, sobre a paz. O lema nos inspira na Sagrada
Escritura e nos posiciona com os olhos no futuro: “Serás libertado pelo direito
e pela justiça” (Is 1, 27).
O Reino já está “em nosso meio”, porém
precisamos fazer nossa parte, quando, por um impulso do coração, guiado por uma
fé límpida, nos tornemos uma fraternidade de irmãos e irmãs. Mas, para isso,
devemos descer da montanha, agir como o “bom samaritano”, com humildade e amor,
e nos curvar à vida do irmão, numa atitude de dom e reverência à vida, movida
pelo seu valor intrínseco e pelo lugar que ocupa na hierarquia dos valores.
O amor existe e sobrevive, apesar de tudo, no
silêncio de muitos corações, mas só terá sua plenitude na relação coerente de
cada pessoa e de toda comunidade com este amor.
A Igreja pode ser um lugar do anúncio e
denúncia de tudo que pode ferir a dignidade das pessoas, especialmente daquelas
que são privadas de seus direitos. É preciso conquistar políticas sociais
(públicas) que garantam uma vida digna aos pobres, ou seja, formas de construir
a vida dos cidadãos.
Cabe à Igreja, em sua missão de anunciar
Jesus Cristo, e, como consequência, chamar a sociedade a ser mais justa;
favorecer o diálogo e a ação transformadora, consciente de ser uma das forças
vivas da sociedade. A Igreja segue firme sua missão em favor das políticas
públicas que promovam a cidadania e o direito da pessoa.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) propõe que durante esta Quaresma, através da Campanha da Fraternidade, a
sociedade reflita sobre a necessidade de promover uma cultura de paz em meio a
tanta violência.
Com a Campanha da Fraternidade, somos
chamados a ser os protagonistas da superação da violência, fazendo-nos
mensageiros e construtores da paz, promovendo e incentivando mais políticas
públicas que favoreçam a segurança e o bem-estar das pessoas. A paz contínua,
fruto do desenvolvimento integral de todos, nascido de um novo relacionamento
com todas as criaturas, também é o sonho de nosso Deus. Deve ser nosso
compromisso constante como Igreja do Povo de Deus.
A vida e a dignidade do povo, dos grupos
sociais mais vulneráveis, são afetadas, com frequência, pela ausência de
políticas que contemplem as suas necessidades integrais de subsistência.
Esta é uma realidade complexa; embora a ação
de todos seja importante, ações comunitárias são necessárias. Daí o apelo que a
Igreja no Brasil, através da Campanha da Fraternidade, faz a toda sociedade e
seus representantes.
O objetivo geral da campanha é levar a Igreja
e a sociedade a se empenharem na defesa e promoção da vida humana, sobretudo
quando esta vida é ameaçada, perseguida, oprimida por qualquer sistema de
injustiça e opressão. A Igreja tem consciência de que a vida humana é uma
dádiva de Deus.
Os objetivos específicos da Campanha da
Fraternidade 2019 são, principalmente, promover a cultura da vida através de
políticas públicas de educação, saúde e segurança social, para o pleno
desenvolvimento da consciência, a corresponsabilidade entre o homem e a mulher,
e a solidariedade entre todos nas políticas de promoção da justiça e dignidade
da pessoa.
A Igreja, através da Campanha da Fraternidade
2019, quer fomentar o diálogo e trabalhar, em conjunto, com as diversas camadas
da sociedade, com as pessoas de diferentes origens culturais e religiosas. A
Igreja deseja procurar maneiras comuns de promover mais políticas públicas para
todos, especialmente aos mais vulneráveis que, na sua maioria, são vítimas da
exclusão social.
A Igreja como Mãe, e fiel ao Evangelho das
Bem-aventuranças, pretende continuar cada vez mais do lado dos pobres e
oprimidos, acolher, proteger e encorajar estes irmãos e irmãs para promover e
respeitar sua dignidade.
A Campanha da Fraternidade 2019 visa a
desenvolver uma consciência crítica nas pessoas, diante de estruturas que geram
a morte e promovem a manipulação da vida humana; e, antes de tudo, propor e
apoiar políticas públicas que garantam a promoção e a defesa da vida.
Esta Campanha da Fraternidade pretende ser
mais um esforço para a conversão Quaresmal na vida de todos os cristãos, a fim
de buscar sempre maior fidelidade a Deus, o criador e doador da vida.
O tema da Campanha da Fraternidade 2019
propõe a conversão do coração e a consequente transformação da sociedade. Abrir
caminhos novos para que as pessoas possam viver na condição de cidadãos, serem
respeitados e contemplados pelo Estado.
Cristo, em sua vida, ensinou ao povo do seu
tempo, a justiça, o amor e a fraternidade, aliviou o sofrimento daqueles que
sofriam sob a opressão dos poderosos, de todos os poderosos, mesmo daqueles que
até diziam ser religiosos. Cristo, o libertador, soube se compadecer dos
pobres, e a Igreja, por sua vez, acolhendo o mandato de seu Senhor, também
procura seguir as mesmas pegadas, para promover a justiça do Reino.
Talvez o desafio maior seja o de chamar à
conversão os duros corações da sociedade de hoje, para que se tornem um coração
de carne que sabem colocar em prática gestos concretos de comunhão e
libertação, de justiça e de solidariedade para todos, com as políticas públicas
de inclusão.
É hora de se envolver profeticamente contra
todas as formas de injustiça e exclusão. Se a essência da Páscoa é persistir em
acreditar que a esperança é um horizonte de Ressurreição, que pulsa a paixão
pela Vida, então devemos persistir na defesa e promoção da justiça.
Vamos nos preparar para iniciar na Quaresma
essa grande reflexão que nos leve à conversão diante da escuta da Palavra nesse
caminho penitencial e, assim, seguir o Ressuscitado, tendo como consequência a
busca por mais políticas públicas para todos.
Não devemos nunca nos esquecer de que a
Campanha da Fraternidade da Igreja no Brasil é um compromisso pascal, pois está
ciente de que crer na ressurreição também significa ter a certeza de que a vida
venceu a morte, e nós somos chamados a ser testemunhas dessa vida, que é Jesus.
Que esta campanha sirva para abrir o nosso
coração a Deus e às sementes da Páscoa, sementes que brotam em misericórdia e
dão frutos de justiça, bondade, amor e fraternidade para todos.
Agradeço a todos os líderes das diversas
pastorais de nossa arquidiocese, as pastorais sociais, as pequenas comunidades,
em especial, aos Círculos Bíblicos e a todo Povo de Deus, empenhando na luta
por justiça e paz, por mais políticas públicas em nossa cidade, em nosso estado
e em nosso país. A partir da Quarta-feira de Cinzas os temas de nossas reuniões
irão aprofundar essas consequências de nossa conversão.
Deus nos abençoe e nos guarde; o Ressuscitado
ilumine a todos pelo compromisso incansável em favor da dignidade humana,
sempre em perfeita comunhão e unidade na ação missionária, evangelizadora e
transformadora em nossa arquidiocese, no desafio de promover o reino de Deus
nesta grande cidade – eis aí a nossa missão!
Fonte:
http://arqrio.org/formacao/detalhes/2501/campanha-da-fraternidade-2019